Viajar de barco pelo Rio Paraguai é um grande prazer para quem ama a natureza e tem um pouco do espírito desbravador daqueles homens que rasgaram os sertões do Oeste brasileiro em busca do ouro e da cobiça e plantaram cidades em um período de grandes conflitos e desconhecimento da região, a partir do século 17.
Águas calmas, que correm por um rio sinuoso; o verde das matas lambendo o seu leito; pássaros em revoada... Morros que guardam mistérios rupestres e a temida onça-pintada. Subindo ou descendo o velho Paraguai, entre Cáceres (MT) e Porto Murtinho (MS), a sensação que se tem é de explorar um outro mundo, o planeta das águas, habitado há oito mil anos.
Caminhos que poderiam ser explorados pelo turismo, que não dimensiona seu valor histórico-ambiental-cultural, promovendo grandes expedições e roteiros bem definidos, aproveitando, inclusive, pousadas bem estruturadas, as quais hoje tem dificuldades de se viabilizar por falta de turistas.
De um extremo a outro, Corumbá e Cáceres se confundem como cidades-irmãs, embora distantes cerca de 670 km pelo rio. Fundadas no mesmo ano, 1778, e a mando do general Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, tiveram um período de apogeu com o ciclo do charque e comércio fluvial. Hoje tem no agronegócio seu veio econômico.
Jóia do Prata
Divisor da fronteira do Brasil com o Paraguai e a Bolívia em alguns trechos, o Paraguai nasce na Chapada dos Parecis, no estado de Mato Grosso, aonde vem sofrendo degradação com o avanço da soja. Em seu percurso inicial (cerca de 50 km) tem o nome de Rio Paraguaisinho, mas logo passa a ser conhecido como Rio Paraguai, percorrendo um trajeto de cerca de 2.620 km até sua foz, no rio Paraná.
A partir de Cáceres, Alto Pantanal, o rio se caracteriza pelo seu canal estreito e sinuoso e se torna volumoso ao entrar na planície do bioma, lambendo os contornos da majestosa Serra do Amolar, já em Corumbá. A partir desta cidade, exerce importante função de escoamento do minério extraído do Morro de Urucum e também no transporte de gado e gente vindos de regiões alagadas.
Desde os tempos dos descobrimentos e disputas territoriais por esta vasta e rica região isolada de um Brasil que não existe mais, o Rio Paraguai cumpre sua função natural – é o formador do Pantanal - e estratégica do ponto de vista militar, chamado de Jóia do Prata pelos exploradores, protegido por tribos guerreiras dizimadas e cobiçado por nações vizinhas.
Caminho natural
Em viagem de pesquisa por mais de 1.200 km nestas águas, em novembro de 1999 – de Cáceres a Murtinho -, o antropólogo com formação também em ciências sociais Álvaro Banducci Junior, da Universidade Federal de MS (UFMS), resgatou a memória cultural e patrimonial do lugar e em um trabalho de doutorado com relevante contribuição ao turismo.
“Mediante o contato com os vestígios arqueológicos e históricos, com a natureza exuberante e pouco descaracterizada e com as diversas comunidades locais pode-se vislumbrar um pouco da história e das raízes do povo pantaneiro, bem como da multiplicidade étnica e cultural que delas resultou”, narra.
Conforme Banducci, “a lenta ocupação do extremo Oeste brasileiro encontra-se registrada, através de uma série de vestígios arqueológicos e históricos, às margens daquele que foi o caminho natural de penetração humana na região: o Rio Paraguai”.
Sinais humanos
Ao navegar por ele, encontram-se, em toda sua extensão, fortificações militares, ruínas de saladeiros ou charqueadas, a forte atividade econômica até meados do século XX, e as casas-grandes, sedes de fazendas pioneiras na ocupação pastoril da planície pantaneira após a Guerra do Paraguai (1864/1870). E também sítios arqueológicos e outros sinais da presença humana que remonta aos ameríndios.
Ao levantar esse patrimônio histórico e cultural e a análise de seu potencial mobilizador da memória e da identidade das populações locais, tendo por base a atividade turística, o pesquisador da UFMS se propôs a contribuir para a implantação de modalidades alternativas em potencial ao setor, que hoje explora apenas a pesca.
E, e ao mesmo tempo, refirmar a construção da memória e afirmação da identidade regional no contexto pantaneiro. Esse processo colonizador, segundo o pesquisador, nos legou não apenas monumentos arquitetônicos e registros históricos.
“Mas também distintas categorias e grupos sociais – indígenas, pequenos agricultores, pescadores e peões de fazenda – cuja história, costumes e saberes configuram a diversidade e a complexidade das culturas e modos de vida no Pantanal”, observa.
(próxima reportagem: de Cáceres a Corumbá, o corredor ecológico)
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