Militares e civis celebram neste fim de semana, no bicentenário Forte Coimbra, em Corumbá, momentos marcantes da nossa história de lutas, crenças e mitos registrados durante a ocupação da fronteira do extremo oeste e a fixação dos limites do Brasil com o Paraguai. À uma imagem de Nossa Senhora do Carmo, referenciada com honras militares na capela da fortificação, credita-se milagres que livraram tropas brasileiras de verdadeiros massacres.
Por mais de um século, a celebração de 16 de julho, dia da padroeira do forte, cultua a fé e mantém viva relatos que comprovam manifestações da santa em dois episódios decisivos para a garantia da soberania brasileira naqueles confins. A festa tradicional tornou-se um produto turístico, que atrai pessoas de vários lugares do Estado, onde se cumpre promessas e graças recebidas, manifestadas nas oferendas e lembranças deixadas no manto da santa.
O Forte Coimbra foi construído em 1775, às margens do Rio Paraguai, e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) 200 anos depois. Situa-se entre morros, pouco acima onde existe o marco da tríplice fronteira – Brasil, Paraguai e Bolívia – entre os pantanais de Corumbá e Porto Murtinho. Sua construção, numa época de total fragilidade dos limites de Portugal com a Espanha, gerou polêmica, ao ser erguido em local errado. O ponto escolhido era o Fecho dos Morros, já próximo de Murtinho.
Guarda real
Credita-se a Nossa Senhora do Carmo milagres ocorridos durante as batalhas contra espanhóis e paraguaios, em 1801 e 1864, respectivamente. Na primeira batalha, a santa teria livrou a guarnição militar do forte, que contava com 110 homens, cinco canoas e três canhões, de um massacre no dia 17 de setembro de 1801, quando um exército espanhol formado por 600 homens, navios e 30 canhões, tinha ordem de ocupar o lugar na disputa pelo território com Portugal.
Após nove dias de batalha, os espanhóis venceram, mas, bateram em retirada ao verem a imagem da santa na entrada do forte. A segunda manifestação ocorreu durante a Guerra do Paraguai. No dia 28 de dezembro de 1864, a tropa paraguaia com 3,2 mil homens, 41 canhões, 11 navios e farta munição cercou o forte. Os brasileiros, com 149 homens, resistiram até o segundo dia, quando um soldado exibiu a imagem da santa na muralha do forte e os inimigos suspenderam o fogo, permitindo a fuga dos sobreviventes.
Hoje, uma imagem em concreto da santa se destaca na mesma muralha, de frente para quem sobe o Rio Paraguai, vindo dos países “inimigos”. Na capela erguida na comunidade civil que habita o forte, a imagem cultuada é a mesma trazida em 1798 pelo construtor e comandante do monumento, Ricardo Franco. Neste dia 16, ela será carregada por uma guarda real com vestimentas de gala da época do Império, em procissão que segue da capela para a vila militar e termina no Rio Paraguai.
Lugar Isolado
Muitas são as graças atribuídas à Nossa Senhora do Carmo, a quem também se atribui poderes milagrosos nas águas do interior da gruta Ricardo Franco, a terceira maior do Estado, onde uma estalagmite é observada como semelhança a figura da santa. Apesar de a ciência considerar as águas cristalinas, contaminadas pelas fezes dos morcegos que nela habitam, a população crê que residam poderes milagrosos no líquido. A visita à gruta, distante 8 km da fortificação, faz parte do ritual.
De acordo com o pesquisador Raul Silveira de Mello, o primitivo Forte Coimbra foi oficialmente fundado em 13 de setembro de 1775, embora a decisão de estabelecê-lo tenha sido tomada muito antes, no contexto da assinatura e das demarcações decorrentes do Tratado de Madri (1750). O acesso, a partir de Corumbá, é possível de barco ou avião. Projeta-se uma estrada rompendo os alagados pantaneiros. Até início dos anos 2000, não havia energia elétrica e o sinal de internet chegou nesta década.
O local histórico rodeado pela natureza é um daqueles pedaços de chão onde o tempo parece andar mais devagar, onde as pessoas se conhecem por apelidos e através de toda a linhagem de ascendentes, onde as ruas de areia levam a poucos comércios, pousadas e opções de lazer. Os civis, descendentes daqueles heróis da Guerra do Paraguai, vivem da pesca e já passaram por leis rigorosas do comando militar local, que chegou a decretar toque de recolher. Hoje, impera a harmonia.
Viajar pela história
A festa da padroeira, que começa na véspera, é organizada pelo Exército e prefeitura de Corumbá, e conta com uma intensa programação, reunindo shows, dança, missa, procissões terrestre e fluvial, baile e um grande churrasco de buraco, onde os fazendeiros da região doam os bois. Participarão autoridades militares e civis, dentre elas o prefeito da cidade, Ruiter Cunha de Oliveira. O Navio Lerverger, da Marinha, levará este ano 90 convidados civis de Corumbá.
Na capela, as pessoas, a maioria militares, deixam objetos e lembranças ofertados à santa, por graças alcançadas, tais como peças de fardamento militar do Exército, da Marinha, da Polícia Militar, inclusive por oficiais generais que vão pagar promessas ou fazer doações. A santa recebe muitas ofertas, principalmente joias. A coroa que usa é de ouro, também fruto de doação. O cabelo é real, havido de uma jovem muito doente de Coimbra que obteve uma graça e se curou por milagre de Carmo.
Visitar a magnitude arquitetônica do Forte Coimbra, aberto pelo Comando Militar do Oeste (CMO) mediante agendamento, é viajar pela história do Brasil. Da ponte sobre o Rio Paraguai, na BR-262, são mais de 100 km fluviais. Além das pousadas na área civil, funciona o hotel de trânsito na área militar. Na fortificação, também há um monumento que guarda os restos mortais do coronel Ricardo Franco, e o centro bélico, no alto do morro, com canhões intactos apontados para o rio.
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