quinta, 28 de março de 2024
CRIME AMBIENTAL

O “maior desmatador do Brasil” possui 120 madeireiras no Norte

15 DEZ 2019 - 11h32Por JULIA DOLCE/JOSÉ CÍCERO DA SILVA/AGÊNCIA PÚBLICA

Extorsões, ameaças e lavagem de dinheiro são apenas alguns dos crimes listados na denúncia oferecida pelo Ministério Público (MP) a partir da Operação Deforest, da Polícia Federal (PF), contra o empresário Chaules Volban Pozzebon, preso preventivamente no mês passado.

Chaules é acusado de liderar uma organização criminosa na região de Cujubim, em Rondônia. Segundo a investigação, ele é proprietário de 120 madeireiras espalhadas pela região Norte – que estão em seu nome ou de laranjas – e, por isso, tem sido chamado por seus denunciantes de “o maior desmatador do Brasil”.

Elizeu Berçacola Alves conhece bem a ficha criminal de Chaules, que possui delitos que datam de quinze anos atrás. No início de novembro, o bafo úmido de 34 °C do aeroporto de Porto Velho serviu de ponto de encontro para que Elizeu, ex-chefe da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) no município de Machadinho d’Oeste (RO), contasse à Agência Pública o que sabe sobre o que chama de “organização criminosa de Chaules”.

Elizeu deixou Rondônia em 2016, após múltiplas tentativas de emboscadas e um atentado que por pouco não tirou sua vida. As ameaças vividas por ele reúnem um ponto em comum: o trabalho realizado para combater o desmatamento, o comércio ilegal de madeira e a grilagem em unidades de conservação, encabeçados em sua maioria, segundo o ambientalista, pela organização criminosa de Chaules.

O ex-funcionário público, que também foi agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), está há dez anos no Programa Federal de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Embora a Operação Deforest tenha detido Chaules e mais 15 membros da organização criminosa, Elizeu ainda teme pela sua segurança – sua passagem por Rondônia e a conversa com a reportagem foram cercadas de cautela.

“O crime tem a mesma dinâmica do câncer. Ele trabalha com formação de células defeituosas na sociedade, de forma que o Chaules é só uma peça do conjunto. Não é só ele o responsável por toda a ação criminosa na Amazônia. Ele é uma peça-chave naquela região, mas muito além de Chaules está toda uma economia que se estabeleceu nas autarquias do Estado brasileiro”, afirma.

Elizeu contabiliza não oficialmente ao menos 16 assassinatos de lideranças ambientais em uma década – entre 2005 e 2015 –, enumerados em documentos distribuídos para autoridades públicas e órgãos governamentais. Segundo o ambientalista, os assassinatos, cometidos com “requintes de crueldade”, foram praticados por jagunços que participavam do amplo esquema econômico das madeireiras da região, o que inclui, ele diz, a organização de Chaules.

Charles é acusado de outros crimes

O madeireiro foi formalmente denunciado pelo Ministério Público de Rondônia (MPRO) por crimes contra a vida, como ameaças de morte contra pequenos agricultores, realizadas por policiais militares contratados por ele. Segundo testemunhas ouvidas pelo MPRO, policiais apontavam armas dizendo que, se não saíssem de lá andando, sairiam “carregados”.

Elizeu duvida que a prisão de Chaules dure muito tempo. O ambientalista relembra a impunidade do crime organizado das madeireiras de Rondônia após as operações Caiporas e Arco de Fogo, desencadeadas em 2009 pelo Ibama e pela PF. As operações buscavam fazer a desintrusão de madeireiros invasores nas regiões do rio Machado e da Resex Rio Preto-Jacundá.

“Naquele período, as instituições já tinham elementos suficientes para dar uma pisada no freio naquela organização criminosa. Mas Chaules se protegeu naquele período, e outros empresários e políticos também. E todos eles estão ligados. O poder econômico cria elementos para que se condene somente terceiros”, opina.

O “maior desmatador do Brasil”

Há mais de um mês no Presídio Federal de Porto Velho, Chaules aguarda a transferência para o Presídio Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Contatados pela reportagem, seus advogados afirmaram que não irão se pronunciar sobre as acusações, uma vez que o processo corre sob segredo de justiça.

Chaules é defendido pelo renomado jurista Tracy Reinaldet, que já atuou na Operação Lava Jato, defendendo figuras como o ex-ministro Antônio Palocci e o doleiro Alberto Youssef. A defesa do madeireiro protocolou, no dia 7 de novembro, uma petição pedindo a revogação de sua prisão preventiva no Supremo Tribunal Federal (STF).

Natural de Capanema, Paraná, Chaules tem 47 anos e se mudou para Ariquemes no início dos anos 2000, quando ingressou no ramo madeireiro, segundo Elizeu.
“Mesmo um garoto, na época em que Chaules chegou a Cujubim [início dos anos 2000], as pessoas já se referiam a ele como dono de lá”, relata Elizeu.

Em seu nome, Chaules possui oficialmente algumas empresas – AMP Indústria Madeireira Ltda., da qual é sócio administrador, CHP Indústria Madeireira Eireli e Muralha Indústria Madeireira Ltda., em sociedade com o filho de 23 anos, Igor José Teixeira Pozzebon, que se identifica em suas redes sociais como geólogo. O madeireiro administra também dois postos de gasolina em Rondônia e divide com a mãe, Maria Salete Pozzebon, a sociedade de duas holdings: a CMI Participações S.A., voltada para aluguel de imóveis, e a MS Franquia, de gestão de ativos intangíveis não financeiros – os ativos intangíveis não financeiros são bens ou direitos adquiridos pela empresa, mas que não têm valor decorrente de suas características físicas, e sim dos benefícios decorrentes deles.

Marcos Piellusch, professor de finanças da Universidade Mackenzie, exemplifica: “Se a empresa compra os direitos de vender camisetas com a marca Mickey Mouse, está ADquirindo ativos intangíveis. Isso porque a empresa não está comprando a figura do rato, mas os direitos de usar a marca”.

De acordo com o promotor do MPRO Marcus Alexandre de Oliveira Rodrigues, que atua no tribunal do júri na comarca de Ariquemes, não há registro “na região Norte de nenhuma pessoa que sequer chegue perto do envolvimento com uma centena de madeireiras”, completa.

Município rondoniense de 25 mil habitantes, Cujubim fica a uma hora de Ariquemes, e foi lá que, em 2018, famílias de pequenos agricultores compareceram ao MP para denunciar o que a organização comandada por Chaules fazia em áreas de proteção ambiental em Cujubim.

“Um grupo armado liderado por Chaules se instalou em uma porteira, trancou-a, impedindo o livre acesso de uma via pública, e montou uma base com capangas armados, policiais militares e civis”, diz o promotor. Ainda segundo ele, o objetivo do grupo, que praticava ronda com motocicletas e caminhonetes, aterrorizando os moradores que aguardavam regularização pela reforma agrária, era justamente expulsá-los para vender os lotes para fazendeiros e madeireiros. “Um verdadeiro Estado paralelo na zona rural”, acrescenta Rodrigues.

A organização planejava vender cada um dos 700 lotes por valores que variam entre R$ 150 mil e R$ 200 mil, segundo a investigação. Os que já haviam sido vendidos para empresários de municípios próximos sofriam o impacto do desmatamento para venda ilegal de madeira.

AGÊNCIA PÚBLICA

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