quarta, 08 de maio de 2024
EXEMPLO

Cultura e arte para financiar a conservação da natureza

Novo modelo de negócio amplia recursos para a proteção ambiental

05 DEZ 2018 - 15h00Por REDAÇÃO

Você sabia que a conservação da natureza pode ser algo economicamente rentável? E que a renda pode ser revertida justamente em benefício dela mesma? Um termo relativamente novo tem ganhado espaço nos meios ambiental e social e mostrado que é possível empreender com propósito e criar uma economia mais inclusiva. Os negócios de impacto são iniciativas que objetivam garantir retorno socioambiental positivo à sociedade e ganho financeiro ao empreendimento, simultaneamente.

Foi nesse contexto que o projeto Ateliê Bicudinho-do-Brejo foi criado. A partir de um programa de conservação da espécie, conduzido há mais de 20 anos com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, a bióloga e idealizadora da Reserva Bicudinho-do-Brejo, Bianca Reinert, encontrou na arte com cerâmica uma nova forma de homenagear o passarinho e fazer com que as pessoas olhassem e valorizassem o ambiente ao redor dele.

“Entendemos que os negócios também podem e devem gerar formas de conservação da natureza. Está mais do que na hora de entendermos que a conservação não deve contar apenas com recursos de caráter filantrópico, mas também com recursos privados. No caso do bicudinho, a reserva tem potencial de captar recursos e o ateliê apoia na sensibilização de atores de outras áreas do conhecimento para a causa, por meio de um modelo com receita própria”, comenta Thiago Valente, analista de projetos ambientais da Fundação Grupo Boticário.

Produtos

Foi em 2016, por conta de um câncer que a impedia de continuar indo a campo, que Bianca Reinert, falecida em setembro de 2018, deixou o seu lado artístico falar mais alto e começou a produção de colares de argila. Nesse momento, a parceria e o apoio do marido - e também biólogo -, Ricardo Lopes, foram essenciais, sendo ele o primeiro a modelar um pequeno passarinho de cerâmica. A partir daí, o projeto desenvolveu uma série de produtos artísticos - entre canecas e outros artigos, acessórios e um livro - que sustenta a ação, sem auxílio financeiro de outros atores.

“Iniciamos esse trabalho pensando somente na renda que teríamos para ajudar no projeto da reserva. Do valor arrecadado, uma parte fica para o projeto e outra para as despesas do ateliê. Nessa iniciativa sempre fomos eu e ela, mas contamos com a ajuda de algumas pessoas que embarcaram nessa jornada com a gente”, conta Lopes.

Ao unir arte e conservação, informação e cultura, Ricardo deseja tornar conhecido um mundo tão próximo das pessoas, mas ainda pouco apreciado: o da natureza. O ateliê tem como objetivo gerar recursos para a manutenção do Projeto Bicudinho-do-Brejo na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaratuba, que continua ativa pela conservação da espécie e em memória à Bianca. O estúdio está atualmente montado na residência de Ricardo, mas a intenção é mudar a estrutura para uma chácara em Piraquara (PR).

“Hoje, nossa venda é por meio da divulgação que fazemos nas redes sociais e em algumas lojas de aromaterapia, que comercializam nossos produtos, entre eles um colar difusor de óleos essenciais aromáticos na forma do passarinho”, conta o biólogo.

Legado

Neste ano, o ateliê participou do projeto Legado 2018 com o objetivo de refinar seu modelo de negócio para ampliar seu impacto socioambiental. A Fundação Grupo Boticário contribuiu tecnicamente para que o projeto do bicudinho se encaixasse nas normas e seguisse adiante. A iniciativa reuniu 44 organizações em uma jornada que incluiu mentorias e capacitações nas áreas de marketing, gestão de projetos, planejamento e aspectos jurídicos. Após essas ações, uma pré-banca foi realizada e dali selecionadas as doze organizações mais promissoras, entre elas o Ateliê.

“O projeto não ficou entre os três selecionados, mas, é importante ressaltar que o Ateliê Bicudinho-do-Brejo é um projeto novo e que tem muito a crescer”, comenta Thiago Valente.  
De acordo com Julyanna Costa, coordenadora do Projeto Legado, a participação de iniciativas como a do Ateliê é muito importante porque traz para o debate do ecossistema de empreendedorismo social também o aspecto ambiental.

"Para o Ateliê, a maior contribuição do Projeto foi a descoberta de um modelo de negócio sustentável, que permite que o trabalho deles alcance maior escala e faz com que o impacto deles seja ainda maior e mais eficiente. Outra coisa importante foi que despertamos a ideia de envolver a comunidade para aumentar a equipe, e agora eles vão dar empregos na região e criar uma rede de artesãos locais envolvidos com o projeto", comenta Julyanna.

A reserva

A Reserva Bicudinho-do-Brejo, adquirida em 2009, está localizada na entrada da Lagoa do Parado, no município de Guaratuba (PR). Está em andamento o processo de criação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) na região. Atualmente, a reserva tem 43 hectares e conta com uma casa com capacidade para oito pessoas, a qual é usada como base para pesquisa.

Na área, além do próprio bicudinho-do-brejo, podem ser encontradas outras espécies de aves ameaçadas, como a maria-da-restinga, a maria-catarinense, o papagaio-da-cara-roxa, o apuim-de-costas-pretas e a saíra-sapucaia, revelando grande potencial para uso público e observação de aves, mecanismos que também podem desenvolver economicamente a região.

Grupo Boticário

A Fundação Grupo Boticário é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial.

A Fundação Grupo Boticário apoia ações de conservação da natureza em todo o Brasil, totalizando mais de 1.500 iniciativas apoiadas financeiramente. Protege 11 mil hectares de Mata Atlântica e Cerrado, por meio da criação e manutenção de duas reservas naturais.

Atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e nas políticas públicas, além de contribuir para que a natureza sirva de inspiração ou seja parte da solução para diversos problemas da sociedade. Também promove ações de mobilização, sensibilização e comunicação inovadoras, que aproximam a natureza do cotidiano das pessoas.

 

Leia Também

Relatos de viagem

A decoada, o armau e história de pescador no Pantanal do Nabileque

Mais Relatos de Viagem

Megafone

É impossível prever. O clima mudou tanto que os modelos climáticos programados para fazer previsões há dez anos já perderam muito dessa capacidade

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP

Vídeos

As 10 cidades mais ricas em espécies de aves

Mais Vídeos

Eco Debate

RICARDO HIDA

Tudo que não é relevante, deixa de existir

ARMANDO ARRUDA LACERDA

O Jardim do Guia Lopes, laranjal da fronteira

NELSON ARAÚJO FILHO

Uma história de areias