domingo, 05 de maio de 2024

Preservação como motor do desenvolvimento

28 AGO 2023 - 11h00Por O ESTADO DE S. PAULO

A Revolução Industrial promoveu um ciclo de prosperidade sem precedentes. Em 200 anos, a população cresceu de 1 bilhão para 8 bilhões; a proporção de crianças que morrem antes dos 5 anos caiu de mais de 40% para menos de 4%; a expectativa de vida subiu de 30 para 70 anos; o 
contingente de pessoas na extrema pobreza caiu de 90% para 9%. Mas tudo isso foi conquistado à custa do meio ambiente.

Nas últimas gerações, a consciência dessa fatura só fez crescer. Para muitos na geração que desponta, tornou-se insuportável. “Estamos no começo de uma extinção em massa, e tudo sobre o que vocês conseguem falar é dinheiro e contos de fada sobre crescimento econômico eterno. Como ousam!”, disse a jovem Greta Thunberg à Cúpula Climática da ONU em 2019. Como ela, muitos advogam que só o decrescimento econômico evitará a catástrofe.

Menos de um ano depois, essa estratégia foi, inesperada e involuntariamente, tentada. A pandemia obliterou a produção e o comércio globais. Segundo o Banco Mundial, 70 milhões de pessoas caíram na extrema pobreza e até 7 milhões de crianças podem ter tido seu desenvolvimento físico e cognitivo severamente lesado pela desnutrição. Os 6% de redução de emissões de CO2 foram sem precedentes, mas longe do necessário. Para atingir as metas do Acordo de Paris até 2030 por essa via, seria necessário o equivalente a uma pandemia por ano, precipitando um colapso social inaudito. Outra possibilidade seria substituir ao máximo 
fontes de energia fósseis por verdes. 

Mas isso custaria dezenas de trilhões de dólares, depauperando todos os outros investimentos, em educação, saúde, seguridade, etc.

A verdade é que, hoje, o máximo crescimento é incompatível com a máxima preservação. Mas esse conflito não é absoluto, nem inerente, nem estático. A pedra filosofal que o dissolveria é o chamado “crescimento verde”: a desvinculação entre o crescimento e a degradação de recursos e impactos climáticos. Algum progresso foi feito. Estima-se que nos últimos 100 anos a quantidade de material utilizado para uma unidade de crescimento econômico em países desenvolvidos decresceu cerca de 2/3. Em termos absolutos, a degradação e as emissões continuaram a crescer, porque a população cresceu e cada país produziu mais bens. Mas, em termos relativos, o dado mostra que o crescimento não precisa intensificar a exploração.

Se um pleno crescimento verde não é possível no atual estado da tecnologia, não significa que seja uma miragem. O avanço na sua direção já foi feito, mas num ritmo insuficiente. É preciso aumentá-lo. Mas isso implica escolhas, por exemplo, entre o quanto se gastará tentando reduzir extremos climáticos e o quanto se gastará tentando minimizar os seus impactos (por exemplo, com melhor infraestrutura e moradia); ou o quanto se gastará no presente subsidiando energias renováveis disponíveis, mas caras, e o quanto se gastará em pesquisa para barateá-las no futuro.

Esse quadro dramático vem em mente ante o anúncio do Ministério da Fazenda de um Plano de Transformação Ecológica. Segundo o responsável pelo plano, Rafael Dubeux, ele tem três objetivos: aumentar a produtividade da economia incorporando inovação e tecnologia; produzir crescimento a partir de uma nova relação com o ambiente; e fazer com que esse crescimento seja equitativamente distribuído a todos.

Só com os detalhes do plano será possível estimar as incontornáveis relações de perdas e ganhos sociais e ambientais, e em que medida ele será eficaz para reduzir esses conflitos ao longo do tempo. Mas a promessa revela o fato positivo de que, em princípio, o Ministério da Fazenda não está equacionando o problema com base em um antagonismo inconciliável entre preservação ambiental e progresso social. 

A meta da “sustentabilidade” parece um truísmo, e deveria ser, mas, a julgar pela agressividade antiambiental do governo anterior em nome do crescimento ou, ao contrário, pela agressividade antieconômica de ativistas como Greta Thunberg em nome da preservação – e os militantes de ambos os lados são legião –, não é.

(*) Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, publicado em 27 de agosto de 2023

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