Propositalmente, os pantaneiros glosaram, moda um cururu neste título, uma afirmação conhecida da Senhora Martha Rojas Urrego, Secretária Geral da Convenção de Ramsar sobre Zonas Úmidas: “A ciência é clara. As zonas úmidas são os sumidouros de carbono mais eficazes do nosso planeta.”
Áreas úmidas, alagadas sazonalmente, podem armazenar grandes quantidades de carbono, por conta do crescimento vegetal exponencialmente rápido em determinadas estações do ano, e nesse processo captam ou fixam enorme quantidade de dióxido de carbono (Co2).
Em áreas inundáveis, acumulam horizontes de material vegetal acamados nos períodos de cheia, que consomem todo o oxigênio disponível no material vegetal semidecomposto, gerando sob um gradiente de lama na estiagem, em subsuperfície, o ambiente propício para verdadeiros bolsões de turfa decomposta ou semidecomposta.
Em vez de continuar nesta trilha da ciência, os pantaneiros optam por compartilhar a explicação destes fenômenos, no linguajar pântano-poético de Manoel Cavalcanti Proença e Manoel de Barros em Agroval.
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“Onde pululam vermes de animais e plantas e subjaz um erotismo criador genésico”.
“Por vezes, nas proximidades dos brejos ressecos, se encontram arraias enterradas. Quando as águas encurtam nos brejos, a arraia escolhe uma terra propícia, pousa sobre ela como um disco, abre com as suas asas uma cama, faz chão úbere por baixo, – e se enterra. Ali vai passar o período da seca.
…Ali, por debaixo da arraia, se instaura uma química de brejo. Um útero vegetal, insetal, natural. A troca de linfas, de reima, de rumem que ali se instaura, é como um grande tumor que lateja.
…E ao cabo de três meses de trocas e infusões, – a chuva começa a descer. E a arraia vai levantar-se. Seu corpo deu sangue e bebeu.
…É a pura inauguração de um outro universo. Que vai corromper, irromper, irrigar e recompor a natureza.”
No léxico pantaneiro de Manoel de Barros, ele nos ensina que agroval seria: “O lugar onde se cria vida”, pensamento compartilhado por alguns pesquisadores científicos para quem o carbono também seria fundamental na origem da vida.
Em qualquer baixada inundável no Pantanal, logo se cria camada turfosa de material orgânico, mesmo em regiões arenosas, cumprindo o papel no design inteligente da natureza, onde essas camadas de carbono biológico são mantidas estáveis, longe do oxigênio, por longos períodos de tempo.
Uma das maiores incompreensões da mentalidade urbana imposta ao Pantanal reside nessa questão, as “reservas” no papel, implantadas em regiões inundadas e beiras de rio, queimam sistemática e periodicamente, remobilizando muito carbono para a atmosfera e incinerando com as matas ciliares, as verdadeiras reservas e corredores ecológicos pantaneiros…
Matas de galeria, empiricamente tão perto da água, mas tão distantes da cultura dominante, haja resiliência para suportar subterfúgios e camuflagens...
Na questão dos créditos de carbono, assistimos a propaganda dos números do desmatamento nas propriedades rurais, tentando remunerar um desmatamento evitado fantasioso, pelo menos no Pantanal.
Os pantaneiros em áreas. mais úmidas, nas inúmeras mesopotâmias do Pantanal, não necessitam trocar pastagens ou desmatar, mesmo considerando a extrema eventualidade de se necessitar limpar alguma área quando florestada uniformemente por invasoras…
Os mapas mundiais de áreas de turfa já trazem minunciosa cubagem e localização das áreas de turfa existentes por todo o Pantanal.
A exemplo do Rio Taquari, em cujas areias jazem sepultadas nossa ingenuidade de respeitar incontáveis acordos políticos, insistimos em anunciar o compromisso dos proprietários destas turfosas áreas úmidas de não desmatarem ou trocarem as pastagens, em 100 % das áreas declaradas no CAR, viabilizando e incentivando em consequência, a possibilidade do incremento da pecuária tipo boi bombeiro, nos moldes sustentáveis tradicionais.
Além da óbvia diminuição dos custos institucionais e ambientais dos repetidos incêndios, esses milhões de toneladas de carbono seriam, de imediato e sem fantasiosos intermediários, disponibilizados diretamente ao mercado internacional, resgatando a empobrecida região turfosa, que deveria ser a mais valorizada de todo o Centro Oeste brasileiro.
A fazenda pantaneira tradicional, pode produzir dupla safra anual, além da melhor carne do mundo composta do carbono contido em ervas e capins, mais algumas toneladas de Co2 mantidas, poeticamente, mas com real mitigação dos males dos incêndios, no agroval permanente das suas pastagens nativas e turfas naturais…
O Pantanal continuará tentando expor incansavelmente agora direto ao mundo, como são do bem os frutos da frondosa árvore da ciência empírica, quando confrontados com os óbvios efeitos dos amolados predadores que ainda persistem em tentar expropriar tudo que suas garras alcançam.
(*) Pantaneiro, do Porto São Pedro, Corumbá (MS)
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