Alício, Peito Roxo, encomendou a bota mais bonita lá da A Caça e Pesca.Era pra" pisá no pé de abeia".
Goiô, com sua pé de bode de oito baixos prometia revezar com Barra Funda até que o último par deixasse o salão do baile.
Os "pareieiros", tratados na palha de bocaiuveira e algum milho bem canhado pelo patrão, faziam duas quadras em alguns poucos segundos, tempo guardado a sete chaves. Desidério era o tratador e guaino da São Camilo..Velhaco no "partidor."
Tropa varinhada no areião mais fôfo durante a madrugada. Depois um mergulho no açude e a esperada palha murchada na sombra.
Sempre o velho Zé Marques era quem cortava o cabelo da bugrada.
Um perfume comprado do mascate Marinho, óleo glostora no cabelo, barba feita no espelhinho com a figura de uma mulher nua no verso, chapéu novo, tralha de arreio argolada e uma febril expectativa animava o ambiente das vésperas tão desejadas.
As mulheres, casadas e solteiras em roupas de viagem, lenços na cabeça, disfarçavam o nervosismo. As moçoilas sonhavam com os suspiros, beijos e apertos que pudessem provocar.
Benedito, enfim, leva suas coisas para o trator e chama as mulheres, crianças e o cozinheiro, cujas preferências são mais veladas.
Do galpão, ansiosa, a peonada chega a queimar a partida, atitude percebida por Benedito, que assim se faz de bobo e demora um pouco mais. Não quer a comitiva esparramada moda filhote de perdiz.
A fazenda é vizinha e as sedes bem próximas, daí a pachorra.
Na chegada, esconder os parelheiros e enfeitar o passo do matungo.
Mulheres e crianças para um lado e homens para outro.
De chegada, Zé Pretinho fuzilou a bugrinha Joaninha que acusou o balaço em seu peito ofegante.
“Boa tarde, vamos chegar, e cada um busca seu grupo costumeiro”.
À noite, a festeira manda reunir todo mundo para a louvação ao santo. As primeiras mamotas estarão no ponto ao fim das preces.
Um jantar de chegada e a caçada começa.
Abrem o baile Sebastianinha e Izidora. É de praxe... Então, soam os acordes de “km 11” e o limpa banco tem início. O pau quebra a noite toda.
O dia amanhece por fim. O padre trata os batizados e algum casamento. Novos compadres e comadres no Pantanal.
Mas o day after não será bom para todo mundo. Quem se deu bem está feliz. Tem peão todo frajola circulando em busca da conquista, mas tem aqueles que se excederam na branquinha e ainda estão curtindo o porre em redes, carretas, pelegos, ponches, e mesmo no gramado onde aguentaram chegar.
O carteado já corre solto e a Ronda ou Vira Baixo é o jogo preferido. As caronas serão o "pano verde" onde a sorte e o azar se encontram. Apostam cigarro, principalmente. Às vezes, alguma peiteira de argolas de alpaca.
As parelhas são formadas, algumas já tratadas, outras de momento.
Com a mesma importância do baile a carreirada é o climax da festa. Fazenda versus fazenda, peão contra peão, fato é que aquele que tenha quatro pernas vai para a cancha, ainda que por caçoada.
Ao fim de toda essa movimentação, em que as rivalidades se acentuam, a paz volta a reinar e o aroma do churrasco gordo se espalha naquele ambiente feliz dessa gente orgulhosa de seus costumes e sua história.
O sono chega para todos. Alguns acordes tristes vindos do salão denunciam o fim da festa.
Os festeiros que vieram de longe se ajeitam para passar mais uma noite e partir pela madrugada, os vizinhos esperam a temperatura melhorar e voltam para casa ao final da tarde.
Encontros marcados, romances firmados, desafios tratados. A saudade vai judiar da Joaninha, mas o Zé Pretinho prometeu casamento. Amanhã tem malhada pra pegar.
(*) Pantaneiro do Paiaguás, Fazenda São Camilo
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