“Criaram um trem que não era do Pantanal, e
venderam o Pantanal sem conseguir entregar
o produto por falta de atrativos.
Mas o trem é um excelente negócio”
(Empresário Luis Martins, de Corumbá, em 2009)
O fracasso do retorno do legendário Trem do Pantanal, cujos vagões estão se deteriorando no pátio da estação ferroviária de Aquidauana, deve ser creditado à teimosia e capricho dos governantes em não dar sequencia a projetos que herdou, em que pese estudos de viabilidade técnica e outros diagnósticos atestando sua eficácia. Foi o caso do “passageiro”, concebido para começar a operar a partir de Corumbá, principal destino do Pantanal. A mudança de rota não sustentou um serviço que atrai milhares de turistas no Brasil e no mundo.
O governo de Zeca do PT realizou um amplo e rigoroso estudo, durante mais de um ano, envolvendo o trade turístico, o Ministério do Turismo, consultoria técnica e até órgãos ambientais. Projetou-se desde a restauração de estações em pontos estratégicos, integrando-as a outros destinos, como Bonito, Forte Coimbra e Estrada Parque (Pantanal da Nhecolândia), e a criação de uma infraestrutura em Porto Esperança, distrito distante 76 km de Corumbá.
A operacionalização desse serviço foi um primeiro entrave. Os cinco vagões permaneceram por longo tempo na estação ferroviária de Corumbá, onde foram adesivados, aguardando a liberação da concessão para o transporte de passageiros e a recuperação da ferrovia, sucateada. Tempo suficiente para mudar o governo, em 2006, e todo o projeto original ser preterido na gestão de André Puccinelli, o mesmo governador acusar de, na calada da noite, sem consulta prévia, retirar os trilhos que cruzavam o centro de Campo Grande desde 1914.
Fim de linha
O estudo de viabilidade econômica e atratividade turística do Trem do Pantanal optou, numa primeira etapa, pelo trecho Corumbá-Miranda. Maior concentração de animais e de água, em tempo de cheias na planície; conectividade com outros roteiros, a partir de Porto Esperança e estações de Carandazal, Bodoquena e Guaicurus, de onde se tem acesso a Estrada Parque, hotéis-fazendas e pesqueiros da região, pela BR-262 e estradas vicinais, além da integração com Bodoquena e Bonito, paraísos das águas. O turista teria um leque de opções ao longo da viagem.
Porto Esperança, situado à beira do Rio Paraguai, tem a ponte ferroviária de concreto, construída nos anos de 1950, sobre a qual se contempla um lindo pôr-do-sol. A estrutura conta uma escada lateral, que leva à margem do rio, agregando no caminho um passeio de barco ou uma pescaria de meia hora. A parada ainda propiciaria uma visita à comunidade ribeirinha (o projeto previa a capacitação dos moradores para oferecer a gastronomia local), que guarda uma das relíquias da ferrovia: a estação ferroviária, erguida em 1912.
Puccinelli não levou em conta as condições operacionais e a atratividade do trecho, muito menos os investimentos na recuperação das estações de Miranda, Porto Esperança e Corumbá. Em 8 de maio de 2009, após 14 anos sem percorrer os trilhos, o saudoso passageiro em novo formato saia da estação de Indubrasil (distrito de Campo Grande) para cumprir viagem sem muitas perspectivas de sucesso, rumo a Aquidauana. Corumbá, mais uma vez, seria o fim de linha. A cidade protestou, mas as cartas estavam marcadas.
Sonolência
Contudo, estava, desde o início, decretada a inviabilidade do novo trecho por falta de atratividades em pelo menos a metade dos seus 140 km. Até a Serra de Maracaju, o cenário era de mato, pasto e boi. A partir da morraria, o passageiro percorria um caminho fantástico até Aquidauana, mas, a esta altura, a viagem estava enfadonha. O trem era lento. Chegou a operar com velocidade média de 25 km/h. Em alguns trechos, por falta de manutenção da ferrovia, andava a 13 km/h, por questões de segurança.
A viagem vagarosa e cansativa acabou somando-se a falta de atrativos para explicar a baixa procura do serviço prestado pela competente empresa Serra Verde Express, que opera outros trens turísticos com grande sucesso. Foram inúteis as alternativas para entreter o público, desde performance de guias a intervenções artísticas e música. As pessoas perguntavam pelo Pantanal – e com razão. No dia 23 de agosto de 2014, o som do apito do trem foi ouvido pela última vez em Campo Grande, decretando o fim de uma proposta mal planejada.
Um final melancólico que as planilhas não mentem: com capacidade para 280 pessoas, o trem circulava com 80, mesmo com a redução tarifária e em número de viagens. Chegou a ser suspenso de janeiro de 2014 até a sua última saída. Bem que a Serra Verde Express tentou dar um gás ao trem turístico, ao manter o percurso Aquidauana-Miranda, como última tentativa. No dia 6 de setembro daquele mesmo ano, o trecho foi inaugurado com tarifa de R$ 90,00. Mas não prosperou, mesmo com alguns cenários pantaneiros. Eram 3 h para percorrer 70 km.
Piraputanga
A paralisação do Trem do Pantanal frustra a todos e revela a incompetência da gestão pública para gerir um serviço em potencial, cujo projeto padeceu na contramão da perspectiva de um segmento turístico de grande sucesso em outras regiões do País. Locomotivas e marias-fumaça no Brasil levam, a cada ano, 3 milhões de turistas para curtir as paisagens que desfilam da janela dos vagões. Anualmente, somente os trens operados pela Serra Verde, no Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, transportam cerca de 200 mil pessoas.
O governo estadual deixou de priorizar o trem turístico e não há perspectivas de seu retorno a curto ou médio prazo. “Ainda não há previsão de quando o trem voltará a circular. A Serra Verde Express já tomou todas as providências necessárias para retomada da operação e agora a decisão está nas mãos do Estado”, comunica a concessionária. Enquanto isso, dois vagões transformaram-se em bibliotecas, em Aquidauana, onde se discute a circulação do trem entre a cidade e Piraputanga. A proposta tem tudo para dar certo pela atratividade do lugar.
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