quarta, 11 de dezembro de 2024
DESASTRE AMBIENTAL

Taquari transformou planície em "deserto" de água doce

17 JUN 2017 - 11h05Por Redação

O cenário que se observa do Rio Taquari – do alto, o avanço de suas águas pela planície pantaneira, tornando-se um deserto de água doce; navegando, a ausência de suas margens, a mudança do seu curso e as florestas de pau seco, os “paliteiros”. A intensidade do desastre ambiental, que expulsou as comunidades nativas, faliu os criadores de gado e extinguiu a fauna e a flora, não é suficiente para ganhar o comprometimento do poder público Estado na recuperação de uma artéria vital do Pantanal.

Com 787 quilômetros de extensão, o Rio Taquari vem sofrendo agressões que resultaram em um dos maiores desastres ecológicos do Brasil. A origem do problema está concentrada mais na parte alta do rio(norte de Mato Grosso do Sul), de onde grande quantidade de sedimentos provenientes do uso inadequado do solo para atividades da agropecuária é levada para parte baixa da bacia, causando danos ambientais. A sedimentação é um processo natural na bacia pantaneira, contudo, a degradação por conta da monocultura e o descaso governamental acelerou a concentração de areia, entupindo o rio.

A ação do homem e o fenômeno natural têm como principais consequências as inundações permanentes, o desvio do leito do afluente do Rio Paraguai,  perdas de áreas produtivas, alterações e perdas na biodiversidade e alteração no pulso de inundação e dos canais de navegação. No final da década passada, enfim, o Ministério Público, por meio de ações, reconheceu que a causa maior é a inércia do Estado. “Toda a sociedade brasileira vê um de seus bens mais valiosos ser dilapidado por omissão do poder Público”, apontou o juiz federal Gilberto Mendes Sobrinho, responsabilizando União e Estado pela ferida exposta.

Para o Ministério Público, a partir da década de 1970, “a União e o Estado de Mato Grosso (do Sul) fomentaram ocupação humana e atividades econômicas incompatíveis com a conformação ecológica de toda a cacia do Rio Taquari. Agora, omitem-se quanto às desastrosas consequências que advieram disso”. A ação suspendeu licenciamento ambiental na região, bloqueou verbas de publicidade dos governos federal e estadual, mas, também, alimentou “a possibilidade de criação de uma unidade de conservação ambiental...” 

Ao longo de mais de 30 anos de avanço do assoreamento e dos seus efeitos, hoje irreversíveis – mais de um milhão de hectares foram inundados permanentemente na subregião do Paiaguas -, a agonia do Taquari gerou apenas muita discussão sobre fechar e abrir arrombados (quando a força da água rompe as margens e invade os campos), campanhas arquitetadas por pescadores profissionais e organizações ambientalistas para acusar os fazendeiros de provocar a morte de peixes (?). E ainda ações do Ministério Público, algumas equivocadas.

A destruição ambiental é apenas um ponto desse iceberg. A redução do estoque pesqueiro, com a eliminação dos microrganismos, é um fato comprovado pela Embrapa Pantanal, que também atesta a migração da fauna e a eliminação da mata nativa, “tragada” pela água. Gerou-se, também, um caos social, com a expulsão de pelo menos 400 famílias das colônias para Corumbá. A área inundada reduziu o rebanho bovino e os prejuízos com a queda de produção foi estimada em R$ 3 bilhões, com o Estado deixando de arrecadar mais de R$ 150 milhões em impostos.

Uma catástrofe anunciada que compromete não apenas o Pantanal, mas a uma cadeia. Enquanto a degradação aumenta, ameaçando agora outra região da planície, a Nhecolândia (de relevante importância ecológica e econômica), a discussão de medidas e ações para restaurar a vida na bacia taquarizana não avança. De um lado, a intransigência dos ambientalistas, com a sustentação de pesquisadores da Embrapa Pantanal. Esse grupo alimentava, até há pouco tempo, a ideia de tornar a área alagada em uma reserva, para preservar o nada. Na outra ponta, os pantaneiros, numa luta inglória para salvar o ecossistema.

Taquari rompeu também sua margem direita e avança agora pela região da Nhecolândia, centro do Pantanal. Foto: Sílvio Andrade

Sem intervenções, a tendência é que o cenário piore. De acordo com a pesquisadora Emiko Resende, da Embrapa Pantanal, se nada for feito, em alguns anos o rio pode parar de correr abaixo do arrombado do Caronal, que já concentra a maior vazão de suas águas. “O que terá duas implicações claras: como será o transporte para a região se, mesmo com o rio quase não navegável nos dias de hoje, o transporte de pessoas e produtos ainda é feito por ele. Vai aumentar o fluxo de água pelo Caronal e novos arrombados surgirão, aumentando a área de inundação permanente”. Desta forma, novas fazendas serão alagadas, ampliando a extensão do problema.

As soluções, segundo Emiko, bióloga com trabalha em recursos pesqueiros do Pantanal, passam, na área de planície, pela dragagem e recuperação das margens, para que o rio recupere seu regime, e pela adoção de práticas de preservação do solo e da água, no planalto, visando minimizar o assoreamento. A ex-chefe da Embrapa Pantanal defende a utilização de linhas de crédito do Programa ABC para ajudar os produtores da região mais elevada a adotar práticas de manejo de pastagens mais adequadas e a recuperação de matas ciliares.

Muitas foram as tentativas, porém, para se intervir no Taquari, poucas com sucesso. Nas últimas décadas, as ações governamentais se concentraram na área de planalto, entre São Gabriel do Oeste e Coxim, onde o avanço da agropecuária destruiu as margens do rio e acelerou seu entupimento por sedimentos. A recuperação das matas ciliares, no entanto, tem se mostrado inócua, enquanto não se agir também no seu efeito, que é restaurar o leito na planície para que suas águas encontrem o caminho natural.

Em 2006, com a criação de um grupo interministerial para tratar especificamente do Rio Taquari, coordenado pela Presidência da República, projetava-se uma solução definitiva pasra aquele desastre ambiental. Foi elaborado um projeto de recuperação de toda a bacia, com cerca de 14 projetos de intervenção, dentre os quais a dragagem do rio (defendida inclusive pela Embrapa Pantanal, que emitiu parecer técnico). O dinheiro para a ação – cerca de R$ 54 milhões, a época – não saiu, mesmo previsto no orçamento da União, e as medidas não saíram do papel.

Em maio de 2013, mais uma tentativa de viabilizar o projeto de recuperação do rio provocou uma audiência no Senado, em Brasília, com a bancada federal, pantaneiros e pesquisadores cobrando posição do governo. Conclusão: o dinheiro não saiu e o assunto morreu – e o projeto, lançado em 2008, em Corumbá, praticamente voltou à estaca zero. Recentemente, o governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, cobrou o comprometimento do ministro do Meio Ambiente, Zequinha Sarney. O ministério não se manifestou até agora.

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