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DINHEIRO NO RALO

Relatório da CGU aponta irregularidades no seguro-defeso ao pescador

16 OUT 2017 - 09h54Por Sílvio Andrade

Sem incluir Mato Grosso do Sul, um dos principais estados com tradição em pesca, nos levantamentos de campo, a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério da Transparência constataram que mais da metade dos pagamentos do seguro-defeso ao pescador artesanal (ou profissional), pelo governo federal, ocorre de forma irregular.

O trabalho identificou sistemas vulneráveis e sua utilização para fins eleitorais. Não há monitoramento dos beneficiários e mais de 66% dos cerca de três mil entrevistados, em 126 municípios de 22 estados e o Distrito Federal, recebem o seguro indevidamente. De janeiro de 2010 a outubro de 2016 foram pagos de seguro defeso um total de R$ 10,1 bilhões.

O benefício é pago durante a proibição da pesca, definida pelo Ibama, conforme os períodos de reprodução da ictioufana em cada região do País. Em Mato Grosso do Sul, o defeso (ou período de piracema) ocorre entre 5 de novembro e 28 de fevereiro. O Estado, segundo o levantamento, tem 8.238 pescadores cadastrados, aos quais, entre 2010-2015, foram pagos R$ 45.693.463,62.

Mato Grosso tem 2.091 cadastrados (10.329) a mais que MS, mas o volume pago no mesmo período é significativo: R$ 177,2 milhões. A reportagem de Lugares questionou o CGU, por meio de sua assessoria de imprensa, quanto a não inclusão de nenhum município sul-mato-grossense no levantamento de campo, onde foram entrevistados beneficiários de 22 estados, mas não obteve resposta. De Mato Grosso, foram incluídos quatro municípios.

Um milhão de pescadores

O objetivo da auditoria, segundo o órgão federal, foi avaliar a regularidade dos beneficiários inscritos no Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP); a segurança da base de dados; o processo de concessão de licenças de pesca; bem como a rotina de fiscalização adotada pelo órgão responsável – antes a cargo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mas, desde maio de 2017, em razão da MP nº 782, transferida ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

O tema foi selecionado em razão de sua materialidade (volume de recursos envolvidos) – o pagamento do seguro defeso mais que triplicou de valor, passando de R$ 602 milhões em 2008 para quase R$ 2 bilhões em 2015. No mesmo período, houve aumento de 92,4% no número de inscritos no RGP, atingindo a marca de 1.052.711 pescadores artesanais cadastrados. O pagamento acumulado entre 2010-2015 foi de R$ 7.157.245.286,12. 

Para a condução da auditoria, a CGU visitou as residências e realizou entrevistas com 2.315 cadastrados no RGP como beneficiários do Seguro Defeso, distribuídos em 126 municípios. Entre as irregularidades encontradas, destacam-se: 

Pagamentos Indevidos de seguro defeso: 66% dos entrevistados, embora indicados como exclusivamente pescadores, não exerceram a pesca no período analisado pela entrevista (2013 e 2014), ou praticaram outras atividades remuneradas, geralmente informais, tendo a pesca como atividade complementar;

Quatro estados - Pará, Maranhão, Amazonas e Bahia - concentravAm mais de 61% do total de pescadores inscritos no RGP em 2015

Cadastros Irregulares no Sistema do RGP (SisRGP): os controles existentes no sistema são vulneráveis e não evitam a ocorrência de falhas no cadastro dos pescadores, nem mitigam os riscos de exploração das vulnerabilidades. Destaca-se que logins e senhas de acesso de servidores eram utilizadas por funcionários terceirizados, com ou sem o consentimento dos titulares, incluindo a unidade em Mato Grosso do Sul.

Tal fragilidade na base de dados do SisRGP permitiu um pico na quantidade de registros (24.430) justamente no mês anterior ao do pleito eleitoral de 2014. O mesmo não foi observado no mês de setembro de 2013 (3.214 inscrições). “O fato reforça a tese de que o cadastro esteja sendo utilizado para fins alheios aos que direcionam a política pública”, aponta o CGU;

Ausência de fiscalização: o órgão responsável pelo seguro-defeso não verifica se os registrados são de fato pescadores. Não há manual de procedimentos (com o fluxo desde o recebimento até a emissão da carteira de pescador artesanal), nem rotina de monitoramento e inspeções periódicas dos beneficiários inscritos no RGP; 

Inadequação dos processos de cadastramento: foram verificados problemas nas superintendências que impactaram diretamente na fidedignidade das informações constantes no RGP. Tais falhas se estendem desde a análise da documentação apresentada pelos requerentes na ocasião de sua inscrição até a conformidade dos dados inseridos no SisRGP. 

Diante do constatado, foi concluído que o registro do pescador não possui efetividade, sob o aspecto de que a informação registrada não é confiável para reverter em benefícios para a gestão pesqueira, e é ineficiente em nível intolerável para justificar a manutenção da política pública nos moldes atuais.

Tal irregularidade é agravada pela ausência de fiscalização do registro, pela ausência de definição de critério objetivo de renda para caracterizar a pesca com fins comerciais e pela inexistência de penalidades para as entidades representativas que apresentam documentação não fidedigna ao órgão responsável pelo registro.

Recomendações 

A partir das constatações levantadas, a CGU recomendou que, durante processo de recadastramento dos inscritos, sejam incluídos, nos normativos do registro do pescador, elementos objetivos para conceituação de pesca comercial. Também se recomendou que fossem criados mecanismos de responsabilização das entidades representativas (colônias) de pescadores quanto à veracidade das informações prestadas. 

Além de expedir recomendações para os gestores da política pública, a CGU tem atuado no âmbito do Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais (CMAP) para aperfeiçoar a política pública e corrigir as fragilidades apontadas. Um dos benefícios obtidos foi a publicação do decreto nº 8.967, em janeiro deste ano, que estabelece melhorias nos critérios de inscrição no RGP e de concessão do benefício do seguro-defeso. 

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