quinta, 28 de março de 2024
GRUPO ACABA

Canta-dores do Pantanal, a contribuição da música à ecologia

02 JUL 2017 - 08h55Por Sílvio Andrade

Sua asa tão linda abraçou o espaço,
Desenhou meu retrato pra ficar nessa terra,
Desvendar o mistério da morte mais branca,
Que perdeu sua cor nesse lago de lama.
Nesse lago de lama, o homem se inflama,
De tanto ter pena, perdeu a canção.

Em um tempo em que o meio ambiente ainda não era totalmente compreendido e o Pantanal e outros biomas brasileiros ainda desconhecidos – e desprotegidos do ponto de vista das leis dos homens -, amigos do bairro Amambai, em Campo Grande (MS), se uniram e criaram um grupo musical, em 1966, que se tornaria uma referência nacional ao defender a ecologia, o índio, o Pantanal e o pantaneiro.

O Grupo Acaba, os canta dores do Pantanal, criado pelos irmãos pantaneiros Chico e Moacir Lacerda, se consagrou pelo pioneirismo, comprometimento e sensibilidade ao desenvolver a linha da pesquisa para denunciar, por meio de suas belas músicas carregadas de sentimentos e amor à terra,  as ameaças ao bioma e ao homem e descrever a fauna e a flora, no cheiro do tarumã, a alegria, as dores daquele lugar habitado por uma raça ameríndia.

A postura ativista adotada por aqueles músicos vestidos de branco, simbolizando a pureza da garça pantaneira, demorou, no entanto, a ser assimilada pelo grande público e pela mídia, reflexo da falta de consciência ambiental. Mas a mensagem foi passada, durante seus concertos, alertando as atrocidades praticadas aos índios e comunidades de minorias, principalmente indígenas, e ajudou a tornar o Pantanal mais conhecido – e seu valor ambiental.

Formação inicial do Grupo Acaba: uma nova proposta, mesclando folclore com ecologia.

Ao completar 50 anos, Acaba volta às suas origens, faz uma retrospectiva da passagem do velho para o novo Mato Grosso (do Sul), e deixa marca de sua passagem e contribuição à música regional e à ecologia em uma coletânea em CD e DVD e, agora, em um documentário já finalizado, onde a trilha sonora e as imagens passeiam pelo cotidiano de seus integrantes, pelas músicas que se perpetuaram e pelos ambientes pantaneiros, alguns dos quais lembram a infância de seus mentores, Chico e Moacir.

Na Eco-92

“Sou de Porto Esperança, meu irmão (Chico), de Albuquerque, e há 50 anos sentimos essa necessidade de cantar as belezas, a cultura, a história de nossa terra”, diz Moacir, 63. Esperança e Albuquerque são distritos de Corumbá, comunidades centenárias da beira do Rio Paraguai, a artéria do Pantanal. “Sempre cantamos somente o lado pictórico, mas também a alma pantaneira, por isso o nome de Canta Dores do Pantanal. Temos um sentido ecológico, de preservação.”

A banda atua semiprofissionalmente desde a sua criação. Durante anos foi composta por profissionais liberais e empresários, como Adriano Praça de Almeida (flauta, sax, voz e efeitos), professor; Vandir Nunes Barreto (compositor, violãom craviola e voz), contador;  José Charbel Filho (compositor, violão, viola e voz), engenheiro e empresário; Eduardo Lincoln Gouveia (bateria, voz  e efeitos), publicitário; Francisco Saturnino Lacerda Filho, Chico (compositor, percussão e voz), publicitário e empresário;; Moacir Saturnino de Lacerda (compositor, percussão e voz), engenheiro e professor; Jairo Henrique de Almeida Lara (compositor, violão e voz), agrônomo; Alaor Pereira de Oliveira (compositor, violão e voz), pecuarista; e Antonio Luiz Porfírio ( compositor, baixo acústico e voz), comerciante.

Chico Lacerda durante as gravações do documentário no porto geral de Corumbá

Em cinco décadas, algumas apresentações históricas: Projeto Pixingão, em 1989, no Rio de Janeiro; Primeiro Canto das Águas do Mel, em Irai (RS), em 1990;  premiado no Festival Eco-MS, o grupo garantiu a participação na Eco-92, no Rio de Janeiro, onde foi ovacionado. O Acaba também foi responsável pela elaboração e produção do mapeamento musical de Mato Grosso do Sul, em 1997, que resultou em uma caixa com três CDs. Junto com a Orquestra de Câmara do Pantanal, criou o concerto “Sinfonia Pantaneira”.

Memórias de cheias

A produção do CD e DVD em show ao vivo que reuniu 85 sucessos, com a participação de grandes nomes da música de Mato Grosso do Sul, já lançados em Campo Grande. A partir de então, os integrantes resolveram percorrer as regiões pantaneiras, para realizar um documentário, que mostrasse, de fato, não apenas essa cultura, mas também a identidade do homem pantaneiro, principal ícone do lugar.

“Nasci nessa região, carrego minhas memórias de cheias, de brincadeiras. Quando jovem, decidi ir embora do estado e ao retornar, encontrei pessoas que tinham esse mesmo sentimento de valorizar a própria terra. Desde então, começamos a nos unir, a pensar, a dar valor à essa riqueza que temos, nosso vocabulário, nossa vivência. Eu e Moacir fomos os fundadores do grupo Acaba e depois ganhamos novos parceiros. Desde então, estamos aqui, lutando, divulgando nossa cultura, nossa preservação”, contou Chico de Lacerda, de 73 anos.

O projeto dos 50 anos conta com o incentivo da Empresa de Energia de Mato Grosso do Sul (Energisa), através da Lei Rouanet, e apoio cultural do Governo do Estado e da prefeitura de Corumbá,, e será finalizado agora com o documentário produzido pela Render Brasil, com direção de Fábio Flecha e produção de Tânia Sozza. O lançamento está previsto para outubro – mês dos 40 anos de criação do Estado. A Universidade Federal de MS (UFMS) também lançará um livro com a história e as criações do grupo.

Moacir Lacerda e Fábio Flecha, produtor do documentário

Mescla pantaneira

As últimas tomadas do filme e videoclipes que compõe a obra foram rodadas em Corumbá e Porto Esperança. A produtora e os músicos percorreram algumas cidades do Estado, expressando a cultura via linguagem oral e corporal dos sul-mato-grossenses, conforme explicou Fábio Flecha. Em Corumbá, o grupo marcou presença em vários locais, com participações especiais de alunos do Moinho Cultural Sul-Americano e artistas do cururu e siriri, como o porto geral, entre o Rio Paraguai e o singular casario tombado pelo patrimônio histórico nacional.

 “Como falar de um lugar maravilhoso como esse no vídeo e não vivenciar de perto o Pantanal, que tem como maior protetor esse povo maravilhoso e uma cidade encantadora que é Corumbá. Costumo dizer que a origem do grupo é uma mescla pantaneira: Corumbá, Porto Esperança e Albuquerque. Todos nós fomos responsáveis em enaltecer uma nova marca cultural de um novo Estado, na época, dando espaço para um trabalho que perpetua até hoje”, disse Moacir.

O diretor-presidente da Fundação de Cultura e Patrimônio Histórico de Corumbá, Luiz Mário Cambará, falou que o município reconhece o grupo como um dos representantes pantaneiros, por retratar em suas canções esse santuário ecológico. “Eles representam a cultura, a divulgação do nosso Pantanal. Trabalhei com eles em 79, quando foram vencedores do festival e fizemos a divulgação deles em território nacional. Além de ressaltar, valoriza as nossas raízes”, afirma.

Leia Também

Relatos de viagem

A decoada, o armau e história de pescador no Pantanal do Nabileque

Mais Relatos de Viagem

Megafone

Sou bom pescador, se vocês não sabem, eu já peguei, em Porto Murtinho (MS), um jaú de 47 kg. Peguei junto com o Zeca do PT, usando anzol sem garra

Presidente Lula, durante evento no Ministério da Pesca e Aquicultura

Vídeos

Esportes radicais: calendário de 2024

Mais Vídeos

Eco Debate

HEITOR RODRIGUES FREIRE

Feliz Ano Novo

ARMANDO ARRUDA LACERDA

Pantanal universal? Consultem a sabedoria local

LUIZ PLADEVALL

Cuidar da água para não faltar