Sua asa tão linda abraçou o espaço,
Desenhou meu retrato pra ficar nessa terra,
Desvendar o mistério da morte mais branca,
Que perdeu sua cor nesse lago de lama.
Nesse lago de lama, o homem se inflama,
De tanto ter pena, perdeu a canção.
Em um tempo em que o meio ambiente ainda não era totalmente compreendido e o Pantanal e outros biomas brasileiros ainda desconhecidos – e desprotegidos do ponto de vista das leis dos homens -, amigos do bairro Amambai, em Campo Grande (MS), se uniram e criaram um grupo musical, em 1966, que se tornaria uma referência nacional ao defender a ecologia, o índio, o Pantanal e o pantaneiro.
O Grupo Acaba, os canta dores do Pantanal, criado pelos irmãos pantaneiros Chico e Moacir Lacerda, se consagrou pelo pioneirismo, comprometimento e sensibilidade ao desenvolver a linha da pesquisa para denunciar, por meio de suas belas músicas carregadas de sentimentos e amor à terra, as ameaças ao bioma e ao homem e descrever a fauna e a flora, no cheiro do tarumã, a alegria, as dores daquele lugar habitado por uma raça ameríndia.
A postura ativista adotada por aqueles músicos vestidos de branco, simbolizando a pureza da garça pantaneira, demorou, no entanto, a ser assimilada pelo grande público e pela mídia, reflexo da falta de consciência ambiental. Mas a mensagem foi passada, durante seus concertos, alertando as atrocidades praticadas aos índios e comunidades de minorias, principalmente indígenas, e ajudou a tornar o Pantanal mais conhecido – e seu valor ambiental.
Ao completar 50 anos, Acaba volta às suas origens, faz uma retrospectiva da passagem do velho para o novo Mato Grosso (do Sul), e deixa marca de sua passagem e contribuição à música regional e à ecologia em uma coletânea em CD e DVD e, agora, em um documentário já finalizado, onde a trilha sonora e as imagens passeiam pelo cotidiano de seus integrantes, pelas músicas que se perpetuaram e pelos ambientes pantaneiros, alguns dos quais lembram a infância de seus mentores, Chico e Moacir.
Na Eco-92
“Sou de Porto Esperança, meu irmão (Chico), de Albuquerque, e há 50 anos sentimos essa necessidade de cantar as belezas, a cultura, a história de nossa terra”, diz Moacir, 63. Esperança e Albuquerque são distritos de Corumbá, comunidades centenárias da beira do Rio Paraguai, a artéria do Pantanal. “Sempre cantamos somente o lado pictórico, mas também a alma pantaneira, por isso o nome de Canta Dores do Pantanal. Temos um sentido ecológico, de preservação.”
A banda atua semiprofissionalmente desde a sua criação. Durante anos foi composta por profissionais liberais e empresários, como Adriano Praça de Almeida (flauta, sax, voz e efeitos), professor; Vandir Nunes Barreto (compositor, violãom craviola e voz), contador; José Charbel Filho (compositor, violão, viola e voz), engenheiro e empresário; Eduardo Lincoln Gouveia (bateria, voz e efeitos), publicitário; Francisco Saturnino Lacerda Filho, Chico (compositor, percussão e voz), publicitário e empresário;; Moacir Saturnino de Lacerda (compositor, percussão e voz), engenheiro e professor; Jairo Henrique de Almeida Lara (compositor, violão e voz), agrônomo; Alaor Pereira de Oliveira (compositor, violão e voz), pecuarista; e Antonio Luiz Porfírio ( compositor, baixo acústico e voz), comerciante.
Em cinco décadas, algumas apresentações históricas: Projeto Pixingão, em 1989, no Rio de Janeiro; Primeiro Canto das Águas do Mel, em Irai (RS), em 1990; premiado no Festival Eco-MS, o grupo garantiu a participação na Eco-92, no Rio de Janeiro, onde foi ovacionado. O Acaba também foi responsável pela elaboração e produção do mapeamento musical de Mato Grosso do Sul, em 1997, que resultou em uma caixa com três CDs. Junto com a Orquestra de Câmara do Pantanal, criou o concerto “Sinfonia Pantaneira”.
Memórias de cheias
A produção do CD e DVD em show ao vivo que reuniu 85 sucessos, com a participação de grandes nomes da música de Mato Grosso do Sul, já lançados em Campo Grande. A partir de então, os integrantes resolveram percorrer as regiões pantaneiras, para realizar um documentário, que mostrasse, de fato, não apenas essa cultura, mas também a identidade do homem pantaneiro, principal ícone do lugar.
“Nasci nessa região, carrego minhas memórias de cheias, de brincadeiras. Quando jovem, decidi ir embora do estado e ao retornar, encontrei pessoas que tinham esse mesmo sentimento de valorizar a própria terra. Desde então, começamos a nos unir, a pensar, a dar valor à essa riqueza que temos, nosso vocabulário, nossa vivência. Eu e Moacir fomos os fundadores do grupo Acaba e depois ganhamos novos parceiros. Desde então, estamos aqui, lutando, divulgando nossa cultura, nossa preservação”, contou Chico de Lacerda, de 73 anos.
O projeto dos 50 anos conta com o incentivo da Empresa de Energia de Mato Grosso do Sul (Energisa), através da Lei Rouanet, e apoio cultural do Governo do Estado e da prefeitura de Corumbá,, e será finalizado agora com o documentário produzido pela Render Brasil, com direção de Fábio Flecha e produção de Tânia Sozza. O lançamento está previsto para outubro – mês dos 40 anos de criação do Estado. A Universidade Federal de MS (UFMS) também lançará um livro com a história e as criações do grupo.
Mescla pantaneira
As últimas tomadas do filme e videoclipes que compõe a obra foram rodadas em Corumbá e Porto Esperança. A produtora e os músicos percorreram algumas cidades do Estado, expressando a cultura via linguagem oral e corporal dos sul-mato-grossenses, conforme explicou Fábio Flecha. Em Corumbá, o grupo marcou presença em vários locais, com participações especiais de alunos do Moinho Cultural Sul-Americano e artistas do cururu e siriri, como o porto geral, entre o Rio Paraguai e o singular casario tombado pelo patrimônio histórico nacional.
“Como falar de um lugar maravilhoso como esse no vídeo e não vivenciar de perto o Pantanal, que tem como maior protetor esse povo maravilhoso e uma cidade encantadora que é Corumbá. Costumo dizer que a origem do grupo é uma mescla pantaneira: Corumbá, Porto Esperança e Albuquerque. Todos nós fomos responsáveis em enaltecer uma nova marca cultural de um novo Estado, na época, dando espaço para um trabalho que perpetua até hoje”, disse Moacir.
O diretor-presidente da Fundação de Cultura e Patrimônio Histórico de Corumbá, Luiz Mário Cambará, falou que o município reconhece o grupo como um dos representantes pantaneiros, por retratar em suas canções esse santuário ecológico. “Eles representam a cultura, a divulgação do nosso Pantanal. Trabalhei com eles em 79, quando foram vencedores do festival e fizemos a divulgação deles em território nacional. Além de ressaltar, valoriza as nossas raízes”, afirma.
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