Chegar à costa do Pacífico chilena de carro, saindo de Campo Grande ou outra cidade de Mato Grosso do Sul, era um sonho distante para o turista quando se depara com as dificuldades de acesso para transpor a fronteira do Paraguai com a Argentina por um caminho mais curto, porém perigoso, sem infraestrutura e segurança – além do atoleiro em épocas de chuva.
A decisão do governo paraguaio de pavimentar o último trecho da Transchaco, de quase 600 km, entre Porto Murtinho (MS) e a fronteira com a metrópole argentina Jujuy, muda esse cenário desafiador e o incorpora a uma rota bioceânica, que servirá não apenas para o comércio do Mercosul, mas, atrairá turistas brasileiros e do mundo a uma região fantástica, a 5.000 metros de altitude e inversões térmicas extremas.
Turismo tem cenário favorável
Completando a infraestrutura viária que hoje não existe e isola uma rica região paraguaia ocidental, cercada por ambientes naturais que são os pantanais de lá, o governo brasileiro também assina embaixo e garante a construção de uma ponte de concreto sobre o Rio Paraguai, entre Murtinho e a guarani Carmelo Peralta. Dali a Iquiqui (Chile), de frente para o Pacífico, são apenas 2 mil km. Viajar de carro em família proporcionará fortes emoções.
A expedição realizada durante oito dias por uma caravana formada por 29 camionetes e quase uma centena de empresários do setor de transporte de cargas e gestores públicos, encerrada no dia 2 de setembro, mostrou uma rota de grande futuro para o comércio e, sobretudo, o turismo. O sul-mato-grossense está tão próximo da Cordilheira dos Andes e do Deserto do Atacama, como chilenos e argentinos de Bonito e Pantanal, e poucos conhecem esses destinos ao volante.
Enfrentar o novo caminho nas condições atuais é uma aventura arriscada por conta da travessia do chaco paraguaio. Muito pó na seca (temperatura de 40 graus, entre novembro e dezembro) e atoleiros nas águas (ocorrem chuvas torrenciais entre janeiro e fevereiro). No trecho de terra não existe apoio, como postos de combustíveis ou serviços de socorro. Sem sinalização, risco de se perder e se surpreender chegando à fronteira com a Bolívia.
No Paraguai, surpresas no caminho
Com a Transchaco asfaltada e a ponte, viaje com absoluta certeza que será umas férias inesquecíveis. No caminho do nada, cruzando o chaco, você se surpreende ao chegar a Loma Plata (270 km de Murtinho), um dos departamentos paraguaios na região, cuja capital, Filadelfia, tem bons hotéis, restaurantes, comércio e... internet! A comida é ótima. Aqui (e na Argentina) você descobre que a melhor carne bovina não é a brasileira.
Com o asfaltamento parcial da Transchaco, ligando Assunção à fronteira com a Bolívia, o isolamento dos povoados e colônias aos poucos vem sendo rompido. A ligação com o Brasil, para eles, representa o mesmo sentimento nosso: aproximação dos laços culturais, desenvolvimento e turismo. Depois do agronegócio, o setor que mais cresce em Filadélfia é a indústria sem chaminé. A região recebe cada vez mais visitantes, atraídos pela mistura de tradição, religiosidade, povos nativos e a agreste natureza do lugar.
Segundo o blog “Sopa Brasiguaia”, um dos atrativos turísticos da área urbana é o Jakob Unger Museum, que conta a história da chegada dos menonitas ao Paraguai, no início do século 20, e reúne material etnológico de culturas pré-colombianas. Além de Filadélfia, vale a pena conhecer as colônias de Loma Plata e Neuland, onde modernas indústrias cooperativas funcionam, lado a lado, com o tradicional artesanato indígena, produzido nas aldeias e nas esquinas.
Argentina e Chile, outra realidade
Outros atrativos são as áreas protegidas, como os parques nacionais Defensores del Chaco, Teniente Agripino Enciso, Médanos del Chaco, Coronel Cabrera-Timane, Chovoreca y Río Negro, assim como as reservas privadas Campo María, Chaco Lodge, e outros. Em Fortín Toledo, a 40 km de Filadélfia, não deixe de visitar o Projeto Taguá, importante área de preservação do frágil ecossistema local, composto por árvores, como o quebracho, e grandes mamíferos, como o puma pardo.
Quando se atravessa a fronteira com a Argentina, um outro mundo nos surpreende. Grandes cidades, como as vizinhas Jujuy (mesma população de Campo Grande) e Salta, esta famosa pelos vinhos e a legítima saltenha. Cidades com uma infraestrutura viária que surpreendeu os integrantes da expedição, excelência em rodovias que se seguem até o Chile, mesmo no deserto, e com um fluxo moderado de veículos.
Saímos de Campo Grande com uma altitude de 500 metros e chegamos a dois mil metros, nenhuma alteração – aparente. Jujuy e Salta estão localizadas em um amplo vale seco no noroeste argentino, rodeado por altas montanhas verdejantes, que atraem milhares de turistas o ano todo. Assim como nós, estão ávidos pelo asfaltamento do último trecho da rota para conhecerem os paraísos naturais, Bonito e Pantanal.
Emoção na Cordilheira dos Andes
Salta, de 600 mil habitantes, tem um centro histórico do século 19, museus interessantes, como o Museo Provincial de Bellas Artes e sua exposição de arte sacra, e o Arqueologia de Alta Montanha, onde, entre coleções fantásticas, estão as múmias ritualísticas incas encontradas no pico Llullaillaco, simplesmente a 6.739 metros, na fronteira com o Chile. E quando se fala em vinhos, os rótulos da região estão cada vez mais em evidência.
Jujuy (“rrurrui”, para los hermanos), como Salta, vai além de suas atrações exóticas e algumas das mais belas paisagens da América Latina. Ali, no árido noroeste argentino, também se pratica rafting, trekking, trilha de bicicleta, passeios a cavalo e muito mais! A culinária também se destaca, uma das mais apreciadas. Da famosa saltenha, conhecida por nós como “boliviana”, aos pratos com truta e carne de lhama e cabra também se destacam.
As duas províncias estão aos pés da Cordilheira dos Andes, que tem uma estrada incrivelmente sinuosa e uma vista de tirar o fôlego. No pico da cordilheira, quase 5 mil metros de altitude e sensação térmica de zero grau (a expedição estava preparada para 15 graus negativos). Dá uma zonzeira, mas é bom estar preparado. Vale até mascar folha de coca vendida no começo da escalada...
Atacama, um lugar incrível
No caminho, os salares argentinos, com receptivo para os turistas, um cenário surreal cercado por morros e moradores nativos. Sem dúvida, um espetáculo a parte, embora, segundo especialistas em turismo, não tão visitado quando o Salar do Atacama, no Chile, que atrai turistas do mundo inteiro ao povoado de San Pedro de Atacama, cujas ruas estreitas e pequeno comércio são invadidos por mochileiros.
San Pedro fica a 160 km depois da fronteira Argentina-Chile, a 2.400 metros de altitude. Você sai de um frio intenso para um calor seco de 28 graus na entrada do deserto e se depara com outro mundo, de paisagens irreais, montanas em formas exóticas – ou lunares -, tentando entender como alguns animais e plantas resistem àquele lugar (aparentemente) sem vida. Afinal, estamos atravessando a região mais árida do planeta!
Atacama oferece um leque de opções. Um dos atrativos é a Laguna Miscanti (4.100 metros), com um azul das águas de arder os olhos e seus vulcões. Tem comunicação subterrânea com outra lagoa, a Meñique, ambas na Reserva Nacional dos Flamingos. O Vale da Lua é um dos passeios mais populares, na Cordilheira do Sal, a 17 km do povoado, caminhando ou pedalando. A Laguna de Chaxa é ideal para observar os flamingos, que se alimentam de um pequeno camarão que vive na água salgada.
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