quinta, 18 de abril de 2024

Com o Rio Paraguai (e a natureza) não se brinca

20 JUL 2017 - 11h34Por Sílvio Andrade

“Água de rio não tem galho pra se segurar...” A letra da música que fala do Rio Paraguai do cantor e poeta Orlando da Gaita, corumbaense, veio à mente nos momentos de agonia durante a viagem de barco que fizemos – eu, mais o fotógrafo Chico Ribeiro e o motorista Iran Buchara, equipe da Comunicação do Governo do Estado – de Corumbá com destino a Ilha Ínsua, dos índios guató.

A missão era acompanhar a visita do governador Reinaldo Azambuja, que inauguraria a reforma da escola estadual na reserva, nesta terça-feira. Chegamos de carro a Capital do Pantanal, no domingo, tempo bom e anormal para o corumbaense, com temperatura baixando. A viagem seria longa, por 340 km rio acima, sentido Norte, limite com Mato Grosso e fronteira com a Bolívia.

Amanhecendo o dia chegamos ao quartel da Polícia Militar Ambiental (PMA) e o mau tempo já indicava que seria uma viagem complicada. O sargento Alves nos avisou: “vocês estão preparados para tomar banho?”. Claro, estamos prontos, foi a resposta, sem entender muito bem a razão do questionamento.

Início da viagem de Corumbá à Ilha Ínsua: só alegria...

O barco com motor 85 hp faria em no máximo quatro horas o percurso da primeira etapa da viagem, até o Porto São Pedro, 170 km acima, onde almoçaríamos para seguir viagem por mais 80 km, até a reserva Acurizal. Aqui, a equipe pernoitaria de segunda para terça, já próximo da aldeia. Na Acurizal, limite de MS e MT pelas águas do Paraguai, já se encontravam outros integrantes da comitiva.

A saída do porto da PMA acionou o alarme: o motor do barco falhava (problema no tanque de combustível). Fazia 10 graus, tempo fechado, rio raivoso. Por um momento, o sargento Alves pensou em retornar à base, mas o barco reagiu, ganhou velocidade e fomos lá, subindo o rio. Alegria da tripulação, afinal, estávamos partindo para um lugar mágico do Pantanal, a Serra do Amolar.

Não durou muito para a viagem se tornar um pesadelo. O motor do barco voltou a falhar, não reagia a uma rotação máxima, e o “banho” começou, literalmente. Bem que o sargento avisou... O barco batia na onda e jogava água sobre nós. Mais a frente, uns 40 km, conseguimos uma lona para nos cobrir, mas já estávamos totalmente encharcados.

O tempo piorava, as ondas eram cada vez maiores e o barco seguia lento, feito o “tuque-tuque”, pequena embarcação dos pescadores movida à rabeta (motor 6,5 hp). A gente se enrolou nessa lona, mas amenizou apenas o frio, intenso. Eu pensei, agoniado, nas pessoas que morreram de hipotermia navegando nestas condições naquele rio.

Iran, ao fundo, reagiu com alívio ao enxergar Corumbá na sinuosidade do Rio Paraguai

Quebrei o silêncio lançando uma brincadeira: “um de vocês é o pé frio nessa viagem”, falei para Chico e Iran. Não obtive resposta, eles estavam cobertos pela lona. Eu, que já conheço a região depois de morar por 15 anos em Corumbá, fui de olhos atentos acompanhando a paisagem (e as ondas). Eles estavam mais preocupados em se proteger.

Na metade da viagem, Chico abriu um litro de uísque e sua prudente reação deu uma aquecida no corpo tremulo com goles a seco. Moral da história: a viagem até o São Pedro durou nove horas. Chegamos ao limite, foi um teste de resistência. O dono da pousada, o hospitaleiro pantaneiro Armando Lacerda, assustou-se com a nossa tremedeira e estado corporal.

Devidamente aquecidos, fomos lembrar com bom humor a aventura arriscada em cumprimento a uma missão. De pronto, abortei a viagem. Teríamos mais 170 km e seria um risco continuar. Até porque, para chegar à reserva dos guató, passaríamos pela assombrosa Lagoa Gaíva, cujas ondas estavam a mais de dois metros de altura.

Outras embarcações da PMA, com oficiais a bordo, também sofreram no caminho devido às condições climáticas, e uma delas, comandada pelo tenente Rondon, acabou pernoitando também no São Pedro. A segunda, com motor mais possante (150 hp), não teria passado. Ficou a dúvida e na madrugada do dia seguinte o tenente Rondon retornou alguns km para se certificar. Na realidade, essa tripulação integrada pelo coronel Jeferson, comandante da PMA, pernoitou mais a frente, em um barco-hotel.

O nosso retorno a Corumbá estava decretado: pela manhã de terça-feira. O fotógrafo Chico Ribeiro seguiu em um dos barcos dos oficiais a tempo de documentar a agenda do governador. “Não peguei um pingo d’água”, disse ele, ao ser indagado por nós sobre as condições da viagem. Conclusão: pegamos o pior barco. A descida pelo rio também foi dramática: ondas fortes, vento cortando o rosto e mais um banho.

A chegada foi um alivio, depois de mais seis horas no rio. Os policiais ambientais, receptivos, nos convidaram para uma piranhada. Liberamos a cerveja que não tomamos e preferimos o cobertor e um bom sono. O cansaço nos dominava, mais pelo estresse. Adrenalina pura. Concluímos que o pé frio da viagem foi nosso motorista. O Chico chegou ao destino e teve o privilégio de conhecer a majestosa Serra do Amolar.

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