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PÉ NA TÁBUA

Viajar de fusca pelo mundo, uma aventura apaixonante

19 JUN 2017 - 06h22Por Sílvio Andrade

Embora sejam incrivelmente carismáticos, os fuscas são vistos, muitas vezes, com certo olhar de desconfiança quanto a sua robustez e confiabilidade por algumas pessoas, as quais invariavelmente não conhecem nada da história deste verdadeiro mito da indústria automotiva. Muitos, no entanto, tem realizado viagens incríveis cruzando continentes à bordo do fusquinha.

A maioria destas pessoas se esquece de que os VW Sedan, em décadas passadas, eram os principais carros desbravadores do Brasil, rodando de norte a sul e de leste a oeste por todos os tipos de estradas, sendo que algumas das quais proporcionavam verdadeiras aventuras off-road. Quando bem conservado e com sua manutenção preventiva em dia, o carrinho ostenta uma confiabilidade mecânica invejável. Mas, para isso, é necessário um minucioso trabalho de manutenção periódica.

Pode parecer um paradoxo, mas é a mais profunda verdade: quantos carros de hoje em dia você conhece que precisa engraxar a suspensão, por exemplo? Ou regular um platinado? Ou trocar óleo a cada 2.500 km? Sim... o fusca precisa disso para manter a sua confiabilidade em níveis elevados!

Brasileiros, em especial, tem se aventurado rodando pelo mundo nesse caro desconfortável e imprevisível. Mas teria sido o alemão Wolfgang Paul Loofs, que emigrou nos anos 1950 para o Canadá, onde fez a vida trabalhando em mineração, que teria realizado uma das maiores proezas dirigindo o potente veículo que chegou ao Brasil em 1950.

Volta ao mundo

Ele comprou um fusca 1955 seminovo, mas muito bem conservado, o carro que mudou sua vida. Naquele mesmo ano, Loofs descobriu que um de seus irmãos, que havia sobrevivido à guerra, foi trabalhar com uma equipe de filmagem na Terra do Fogo — o arquipélago no extremo Sul do planeta. E então, ele decidiu que iria visitar seu irmão na América do Sul. Como ele faria isto? De fusca, claro!

Alemão Wolfgang Loofs e seu fusca 1955: mais de 180 mil quilômetros rodados em três viagens pelo mundo

Wolfgang Paul Loofs partiu no dia dois de 1957 e rumou ao Sul. Atravessou os EUA, a América Central e a América do Sul — muitas vezes, por lugares que não tinham nem estradas. Contudo, o Fusca era — nas palavras dele — um carro relativamente barato de comprar e manter, e simples também, o que o fez colocar à prova seus dotes de mecânica e aperfeiçoá-lo. O fato de o motor ser refrigerado a ar ajudava, também, pois não foram poucas as vezes em que ele mal conseguia água para beber — imagine para colocar em um radiador!

A primeira viagem durou 196 dias e consistiu em 61.000 km, dos quais 42.000 foram percorridos sobre terra e 19.000 pela água — ou a distância de uma volta ao mundo e meia. As viagens pela água foram em balsas, para atravessar rios e canais, e também pelo Atlântico, pois Loof decidiu visitar a família na Europa.

A segunda viagem foi até a África e, novamente, Loofs fez questão de cumprir boa parte do trajeto por terra. Partindo em 1961, ele viajou por 183 dias e percorreu 60,8 mil km — velejando dos EUA, atravessando o continente africano de carro, velejando para a Austrália, atravessando o continente de carro (de novo) e velejando de volta à América do Norte. Desta vez o carro foi batizado de Malgré Tout, ou “Apesar de Tudo” em francês.

O alemão cidadão canadense pegou gosto pela coisa e decidiu viajar de novo em dezembro de 1966 — e, sabiamente, batizou o carro de Once More, ou “Mais uma Vez” em inglês. Ele saiu de São Francisco de barco e dirigiu por todo o sudeste da Ásia, atravessou o Oriente Médio e a Europa e velejou para Montreal, no Canadá. Foram 63,5 mil km em 172 dias.

Fuscamérica

Não é à toa que o Fusca mantém uma legião de admiradores que, muitas vezes, o transformam em protagonista de estilo de vida. É assim com o repórter fotográfico Nauro Júnior, de Pelotas (RS), que viaja pela América do Sul a bordo de um modelo 1968, carinhosamente chamado de Segundinho. Antes dele, um modelo 1972, o Filó, iniciou a saga da Expedição Fuscamérica, que já soma em quatro anos mais de 40 mil km por sete países latino-americanos, além da Antártica.

Expedição Fuscamérica: jornalistas aventureiros passaram por Campo Grande. Foto: Nauro Junior/Daniel Marenco

Segundinho já levou Nauro e seus copilotos Caio Passos, Felipe Campal e Daniel Marenco para Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru e Paraguai, tendo como cenários Cordilheira dos Andes, deserto do Atacama, Salar de Uyuni, Lago Titicaca e Machu Picchu, além da Amazônia (entre outros Estados). Ainda com o 72, o copiloto foi Patrick Rodrigues.

O mais recente roteiro partiu, no ano passado, de Pelotas até o Uruguai e Argentina, onde Nauro e Marenco dormiram uma noite no pé do monte Aconcágua. Seguiram, então, para o Chile, quando começou um novo percurso, subindo a América pela Ruta 5, em direção ao deserto de Atacama e, dali, em direção à Bolívia. Nesse país, dormiram uma noite em Oiague, no pé do Vulcão Nevado, a uma temperatura de -3ºC. Seguiram por 400 km de estrada de chão batido e chegaram a Uyuni, onde fica o Salar de Uyuni, um deserto de sal que normalmente só recebe veículos 4x4.

Vinhos, praias...

Ema abril deste ano, o curitibano Jesse Koz largou trabalho e estudos para realizar um grande sonho: cruzar a América do Sul a bordo do seu fusca e acompanhado do cachorro, o simpático Shurastey. No roteiro, por oito países, sem data para terminar:. Uruguai, Argentina, Chile, Paraguai, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. Na bagagem, 60 kg de ração para o amigo.
"A ideia [de viajar] já existia desde 2015, para sair um pouco dessa rotina de trabalho-estudo. Deixei de lado, mas pensando no que ia fazer. No início do ano resolvi que ia fazer essa viagem e vi uma notícia de um cara que fez a mesma coisa de fusca, o que me incentivou", conta Koz. "Vendi tudo que eu tinha, moto, móveis, videogame para viabilizar."
Degustação de vinhos, praia e noite nas Cordilheiras dos Andes compuseram a aventura a bordo de um clássico Fusca branco de 1972, motor original e um pouco de ferrugem, realizada pela jornalista Alessandra Toniazzo, também gaúcha. Ela e o namorado, o engenheiro mecânico Alexandre Carrard Rodrigues, percorreram 5.756 km pela Argentina, Uruguai e Chile em 20 dias, na companhia do clássico automóvel, partindo de Horizontina (RS).

 “Na Argentina não tem fusca, as pessoas tiravam fotos e acenavam quando a gente passava. Uma pessoa pediu para entrar no carro e teve um homem que pediu para compra-lo na hora, no caminho para Mendoza”, contou Toniazzo

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