terça, 10 de dezembro de 2024
ECOTURISMO

Uma imersão fotográfica pelo Pantanal do Amolar

28 SET 2017 - 18h22Por Sílvio Andrade

Um grupo de profissionais da imagem de várias regiões do país se embrenhou por uma semana pelo Pantanal da misteriosa Serra do Amolar, norte de Corumbá, para uma aula com o premiado Araquém Alcântara, o precursor da fotografia de natureza no Brasil. Oportunidade única de registro da rica fauna e flora do lugar e conviver com uma pessoa incrível, que, além de dicas sobre o clicar, tem muitas histórias para contar em 48 anos de profissão.

“Para fotografar bicho, você tem que virar bicho também”, ensina Araquém, catarinense de 66 anos criado em Santos (SP), aos atentos participantes do workshop promovido pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP), ong que gerencia RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural) na confluência dos pantanais de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. “A técnica? Acordar muito cedo, esperar a luz chegar no meio do mato, e só voltar depois do anoitecer.”

Um novo perfil de turista

O workshop é uma das alternativas do IHP para promover um turismo diferenciado nas reservas, aproveitando a estrutura de barcos de Corumbá e as belezas de uma das regiões eleitas com a maior biodiversidade do bioma. O consultor da ong, Ângelo Rabelo, explica que a iniciativa é um esforço de captar recursos para manutenção das RPPNs, algumas hoje explorando o turismo de contemplação com boa estrutura de hospedagem.

Araquém presenteou Rabelo com um exemplar de Jaguaretê

“Essa parceria com o Araquém nos permite promover outro tipo de ecoturismo em um universo de fantástica natureza, que vai além de uma nova fonte de recursos para a área. Na viagem, nascerá mais um livro do fotógrafo, que elegeu a Serra do Amolar para seu novo trabalho”, afirma Rabelo. “Estamos formatando essa publicação, com lançamento em 2018, e será mais um produto de divulgação do nosso Pantanal.”

O Amolar é um lugar singular no ecossistema reconhecido como reserva da biosfera pela Unesco, com influências amazônica e do chaco boliviano. Com baixa ocupação humana, foi habitado por tribos indígenas extintas no período colonial e populações ameríndias, as quais deixaram registros rupestres em seus morros há oito milhões de anos. A serra hoje é integrada por uma rede de proteção e conservação de 300 mil hectares, formada por RPPNs e fazendas.

Amor obsessivo pela natureza

Ao reunir os colegas de profissão, Araquém Alcântara se sentiu a vontade em um lugar que conhece muito bem. Durante o workshop, os alunos se revezaram em seu bote zingando por baías, corixos, lagoas e meandros do Rio Paraguai, que contorna a serra, em busca da melhor imagem – ou diferenciada – num ambiente tão complexo. “Foi uma experiência incrível, vai agregar muito”, contou Diego Cardoso Santos, fotógrafo radicado em Bonito.

Araquém Alcântara, no cais do porto de Corumbá: "acho que sou também um animal em extinção". Foto: Sílvio Andrade

Com 50 livros publicados – o mais recente, Jaguaretê, retrata a onça-pintada -, três dos quais sobre o Pantanal, Araquém prioriza a fotografia como expressão plástica e instrumento de transformação social e tornou-se um dos mais combativos artistas em defesa da natureza. Por trás dos cursos que promove, surge uma nova cadeia de consciências, onde esses profissionais se apaixonam pelo lugar, espalham a boa notícia e atraem novos turistas.

“Tenho um amor obsessivo pela natureza brasileira, sobretudo o Pantanal”, confessa ele, ao embarcar no porto de Corumbá para o Amolar, no dia 22. “Já fotografei o Pantanal de vários ângulos, mas com pouca representatividade do Pantanal do Rio Paraguai, e a oportunidade será agora quando preparo um livro sobre o Amolar, uma sinfonia de beleza, como diz o poeta Manoel de Barros. São tantos os pantanais e essa lacuna preencho agora.”

Levar do Pantanal só as imagens

Araquém diz que “sente” a necessidade de completar sua obra sobre o Pantanal, e atraindo alunos para a região aproveita a chance de vivenciar a região para futuras locações. “Vamos fazer uma imersão fotográfica”, define, ao falar do projeto com o IHP. “O turismo no Pantanal não é só pesca, tem tudo a ver com fotografia. Daqui você não leva nada, só essas belezas dentro da câmera. Essa é a vocação do Pantanal, ecoturismo, aventura, contemplação.”

Araquém e Diego Cardoso, de Bonito: gerações

 O fotógrafo entende que pode contribuir com a conservação dos pantanais com esse processo de conscientização por meio dos workshops. “A fotografia é uma bela linguagem para isso”, diz. “As pessoas vão para a Amazônia e tem dificuldades de ver bichos, aqui (no Pantanal) a gente tromba com bichos. Isso é um forte atrativo”, acrescenta, observando que o bioma pantaneiro é retratado em muitos livros por causa de sua rica diversidade de fauna e flora.

Com a publicação de Jaguaretê, que lança em outubro, em São Paulo e Nova Iorque, Araquém realiza um sonho em uma vida dedicada a fotografar os bichos e a natureza: um livro dedicado à onça-pintada. Nele, registra o comportamento, a celebração do animal mítico, no topo da cadeia alimentar, que considera um dos mais belos do mundo. Hoje, o felino é um dos principais atrativos do Pantanal. Sua aparição frequente tem a ver com os programas de proteção da espécie.

A onça estava ali, a me olhar

Workshop foi realizado em áreas de grande concentração de fauna e flora pantaneira, no entorno da Serra do Amolar

Uma das fotos que ilustra o livro, feita na Fazenda Santa Tereza – a propriedade integra a rede de proteção e conservação do Amolar -, exigiu mais do que habilidade do renomado fotógrafo, mas astucia e uma dose de muita sorte, numa viagem em 2016. Ele conta que o carro em que estava quebrou e retornava à sede a pé, sozinho, quando percebeu que algo o incomodava, no meio do capão. Ele se viu de cara com uma pintada e sua reação foi fotografa-la.

“De repente, algo me dizia que não estava sozinho. Era ela, no máximo 30 metros a minha frente, me olhando fixamente. Consegui fazer a foto, e depois morri”, conta em gargalhada. “Foi impressionante, não tinha visto uma onça assim do chão”, acrescenta. O flagrante, segundo ele, é o indicativo de que o fotógrafo de natureza deve estar sempre acreditando, persistente, que fará aquela foto. “É uma dedicação total, você tem que virar bicho também.”

Araquém ensina seus alunos que aprendeu uma lição ao perder a chance de fotografar uma onça na curva do rio, depois de procura-la por uma semana: dormindo no barco, não teve tempo de regular a máquina. “Se quiser fotografar onça, fique esperto, ela vai te ver sempre primeiro”, diz. E acrescenta: “fotografar onça é ficar invisível, camuflado, no silêncio. Se transformar num caçador, estar equipado para isso, e ouvir o homem pantaneiro”.

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