Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração
(Carlos Drummond de Andrade)
Tendo o Pantanal como um dos cenários para seus ensaios extraordinários em preto e branco, o fotógrafo mineiro Sebastião Salgado, premiado e referência mundial na área, anunciou sua aposentadoria da fotografia de campo. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Salgado, que completou 80 anos recentemente, declarou que seu corpo está sentindo os impactos de anos de trabalho em ambientes hostis e desafiadores, e que é hora de parar.
“Eu sei que não viverei muito mais tempo. Mas não quero viver muito mais. Já vivi muito e já vi muitas coisas”, declarou o fotógrafo, que percorreu mais de 130 países ao longo de décadas de trabalho. Salgado sofre com uma doença sanguínea resultante da malária que contraiu quando estava na Indonésia, e tem problemas de coluna devido a uma mina terrestre que explodiu o carro em que estava durante a guerra de independência de Moçambique, em 1974.
Apesar dos problemas de saúde, segundo o The Guardian, segue forte e ativo, capaz de caminhar e andar de bicicleta vários quilômetros por dia. Mesmo se aposentando, Salgado não abandonará a fotografia. Ele é agora editor de seu próprio acervo de fotos, que reúne trabalhos realizados ao longo da carreira. O arquivo contém pelo menos 500 mil imagens, mas uma nova contagem deve ser feita em breve.
Além disso, prepara diversas exposições para os próximos meses. Está trabalhando com o Wende Museum, de Los Angeles, para montar uma exposição sobre trabalhadores industriais na União Soviética. Também prepara um projeto sobre suas primeiras fotografias com o Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, e deve exibir mais de 250 fotografias sobre a Amazônia durante a COP 30, em Belém. Também terá suas fotografias expostas no Somerset House de Londres, em abril, evento no qual receberá o prêmio Sony World Photography Awards 2024 por sua contribuição ao setor da fotografia.
Conhecer o Pantanal, sonho realizado
Em 2011, aos 69 anos, Salgado realizou sua expedição pelo Pantanal de Corumbá e Miranda
para concluir o ousado Projeto Gênesis, que consistiu em registrar as partes da Terra intocadas pela civilização - uma volta às origens do planeta focada no meio ambiente, cuja expedição dura oito anos e passou que passou por várias regiões do mundo, como Sibéria, Patagônia, Alto Xingu, Guiana Holandesa, Amazônia venezuelana e África.
"Nós ainda estamos vivendo com o Gênese. Ainda existe uma boa parte do planeta que temos que preservar. Estamos vivendo com o Apocalipse, mas também o Gênese. O Apocalipse não pode se sobrepor ao Gênese, este nós temos que preservar!", afirmou o fotógrafo à época, em entrevista ao jornalista Sílvio de Andrade, em Corumbá, ao retornar da expedição.
Sua passagem pelo bioma, durante 30 dias, resultou em mais de dez mil imagens com equipamentos analógicos, centenas de km percorridos de carro, barco e avião e banhos nos alagados de água transparente, acompanhado do filho, Juliano. Salgado realizou, durante “Gênesis”, seu grande sonho: conheceu o Pantanal e Galápagos.
“O Pantanal é um símbolo para todos nós. Estou muito feliz com o que vi e fiz”, disse o profissional nascido em Aimorés (MG). “A marca que devemos deixar no Pantanal é do turista e não da destruição. O turismo não fere, é uma alternativa de distribuição de renda sustentável”, comentou.
Em 2019, participou de um segundo projeto sobre o Pantanal – a majestosa e mística Serra do Amolar – com o contemporâneo Araquém Alcântara. A Galeria Roberto Camasmie, em São Paulo, expôs imagens inéditas de dois dos maiores fotógrafos brasileiros. Doze obras em preto e branco que retratam um dos lugares mais espetaculares do bioma fizeram parte da mostra conjunta, que objetivou levantar fundos para projetos de preservação na região.
Conexão com a natureza e a fotografia
Eu fotografei o mundo”, diz Sebastião Salgado, folheando o arquivo no seu estúdio em Paris, durante entrevista ao jornalista Andrei Netto, do The Guardian. Salgado testemunhou guerras, revoluções, golpes de estado, crises humanitárias e fome. Ele também viu alguns dos lugares mais imaculados do planeta – locais e povos intocados pela fúria devastadora do mundo moderno. Com destaque para o projeto Amazônia, lançado em 2021, que trouxe fotos do cotidiano de tribos indígenas da região.
A sua obra, uma combinação instantaneamente reconhecível de composição a preto e branco e iluminação dramática, foi construída ao longo de décadas, abrangendo centenas de trabalhos em 130 países e o seu nome está no panteão do fotojornalista ao lado de figuras como Robert Capa, Eugene Smith, Margaret Bourke-White, Henri Cartier-Bresson , James Nachtwey e Steve McCurry.
Agora, diz Salgado ao Guardian, é hora de renunciar. Isso não quer dizer que ele tenha terminado completamente. Não faltam projetos para ele se concentrar. A próxima é a exposição Sony World Photography Awards 2024, na Somerset House de Londres, a partir de abril, que celebra o seu prémio Outstanding Contribution to Photography . Há também uma colaboração com o Museu Wende de Los Angeles sobre a indústria na União Soviética, que ele descreve como “o paraíso dos trabalhadores”. Mais um projeto reunirá algumas de suas primeiras pinturas no Museu da Imagem e do Som de São Paulo.
Salgado também se prepara para um show especial durante a Cop30, que será realizada no próximo ano em Belém , norte do Brasil. “Vamos abrir uma exposição com 255 fotos gigantes do meu projeto Amazônia e um show com composições do [Heitor] Villa-Lobos”, diz. No porão de seu estúdio, pilhas de milhares de fotos aguardam sua atenção. No andar de cima, Lélia Wanick Salgado, arquiteta e ex-pianista com quem Salgado é casado há 60 anos, administra a agência, produz novas exposições e trabalha na concepção, design e edição de seus livros.
A conexão com a natureza fez Salgado redescobrir sua paixão pela fotografia, dando origem a dois de seus projetos mais significativos: Gênesis (2013) e Amazônia (2021). “Houve essa transição do homem para a natureza numa época em que todos caminhavam em direção à natureza”, diz ele. Então tiveram – ele e Wanick - a ideia de visitar e documentar lugares intocados, que representam os 46% do planeta que permanecem intocados.
A mudança de rumo prolongou a carreira de Salgado por mais duas décadas e fez do seu trabalho uma pedra de toque para questões ambientais e humanitárias. “Minha visão é pessimista em relação à minha espécie, o ser humano, que não evoluiu nada. A nossa espécie isolou-se”, afirma, lamentando a cegueira dos decisores globais que não só não conseguem combater as emissões, mas também ignoram dois outros problemas estruturais que considera cruciais: a crescente escassez de água e a perda catastrófica de biodiversidade.
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