quinta, 18 de abril de 2024
PANTANAL DE CIMA

“Quando Deus criou o mundo, começou pela Serra do Amolar”

14 AGO 2017 - 06h00Por Sílvio Andrade

A presença da mão divina na formação da majestosa e incomparável Serra do Amolar, morraria em arenito que se estende por 80 quilômetros na planície pantaneira, entre Corumbá (MS), Cáceres (MT) e a fronteira com a Bolívia, foi uma das sensações que o premiado diretor de cinema e cineasta alemão Sylvestre Campe sentiu ao sobrevoar um lugar místico, que transborda beleza e muita energia.

Experiente viajante do mundo, Campe se encantou com a paisagem da morraria ao sobrevoa-la durante quatro dias a bordo do seu paramotor, uma pequena engenhoca que se assemelha a um parapente, onde a pessoa navega com um motor e uma grande hélice às costas. Ele documentou a região para um especial que exibirá em outubro no seu programa “Aéreas”, no canal Off.

“É um dos lugares mais belos do mundo”, disse o alemão radicado há mais de 20 anos no Brasil. “Imagino que Deus começou a criar o mundo colocando aquela parede, a serra magnífica, encheu com água e plantas, chamou os bichos e então formou o Pantanal, que amo tanto”, declarou, emocionado, ao se encontrar com as crianças do Moinho Cultural Sul-Americano, em Corumbá.

Um lugar selvagem e único

A Serra do Amolar não deslumbrou apenas Sylvestre Campe. Distante (cerca de 200 km ao norte de Corumbá pelo Rio Paraguai ou 50 minutos de voo em um monomotor), é uma região isolado, misterioso e encantador, que começa a despertar o turismo de contemplação. Os índios guató, ancestrais habitantes da região, acreditam que a Ilha Ínsua, onde vivem, cercada por aquelas montanas, é o centro do mundo.

Passeio dos paramotores pelo Rio Paraguai, tento ao fundo um dos morros da Serra do Amolar

O difícil acesso e sua complexa formação, cercada por rios, lagoas, campos alagados o ano inteiro e uma vegetação influenciada pela Amazônia e o Chaco, a torna um lugar “onde os homens precisam viver em simbiose com as suas águas”, conforme define artigo publicado no site da Ong Ecoa.

Suas montanas ajudam, de certa forma, a represar a água, originando a formação de grandes baías – Infinita e do Burro – e as três grandes lagoas do ecossistema – Mandioré, Gaíva e Uberaba, a maior delas, onde habitam os últimos remanescentes dos guató, os quais retornaram às suas terras depois de serem expulsos delas na metade do século passado.

Amolar também abriga um dos maiores corredores ecológicos, de quase 300 mil hectares, formado pelas RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Novos Dourados, Acurizal, Penha, Dorochê e Rumo Oeste, Parque Nacional do Pantanal (em Poconé, MT) e seis fazendas que pleiteiam se transformar em unidades de conservação.

Seu entorno tem reconhecida importância do ponto de vista da diversidade biológica e foi considerada área prioritária para conservação, pelo Ministério do Meio Ambiente. Guarda vestígios arqueológicos de povos que viveram ali há oito mil anos. Antes da chegada dos colonizadores europeus, era habitada pelos índios bororo, chamacoco, paiaguá, chané e terena.

Um “brinquedo” que me viciou

O olhar de Sylvestre Campe para este lugar mostra a sensibilidade de um homem que já passou por tantas experiências espetaculares ao redor do mundo e se curva diante de sua magnitude. As imagens igualmente especulares que captou certamente se propagarão pelo planeta, potencializando uma região que desponta para o turismo de vivência com a natureza, aventuras e de esportes radicais.

No vale da Serra, vitória-régia e muito verde

No seu programa no canal Off, o cineasta alemão exibe imagens aéreas inéditas, paisagens diversificadas e todos os obstáculos que enfrenta em suas aventuras nos lugares mais remotos do mundo. Ele chama seu paramotor de “brinquedo”, e tem razão: o aparelho é desmontável e cabe numa mala, totalmente adaptado ao estilo do dono.

“Me viciei nesse brinquedo, onde vou levo junto”, diz ele, se orgulhando do que faz, em entrevista à TV Morena. O paramotor, também conhecido como “parafly”, é hoje um aparelho valorizado no mercado, depois que o piloto Ramon Morillas Salmerón bateu o recorde do mundo de travessia em um modelo, ao completar um voo de 1.105 km entre Jerez de la Frontera e Lanzarote, na Espanha, em 23 de abril de 2007.

Existem vários tipos de motores para o paramotor, desde pequenos, para pessoas de pouco peso (55 kg aproximadamente de impulso), a mais poderosos, para realizar voos em dupla (piloto e acompanhante, normalmente de 120 a 150 kg de impulso). Os mais usados atualmente são motores de dois tempos, porque, para implementar com motores de quatro tempos, ficaria pesado demais.

Campe passou grande parte de sua adolescência com a família em um veleiro, viajando ao redor do mundo. O pai cineasta sustentava a família produzindo documentários. Como filho mais velho, Sylvestre ajudava o pai operando o som e a câmera, além de tripular o barco. Desembarcou nos EUA, onde estudou cinema, e após formar-se escolheu o Brasil para viver e trabalhar desde 1990.

Sylvestre Campe visitou o Pantanal pela segunda dez e quer voltar em busca de novas experiências e imagens

Quem vive aqui deve se orgulhar

No seu programa, além de protagonista, ele é também o diretor de fotografia e especialista em filmagens em montanhas de gelo e rocha. Seu sobrevoo na Serra da Amolar estava programado para dois dias, mas ele ficou quatro. “É um dos lugares mais belos do mundo”, comenta, ao contemplar a morraria vista de cima.

Suas imagens da região são impressionantes, diz o coronel reformado Ângelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro (IHP),  ong que deu suporte à expedição do cineasta. As filmagens começaram no Pantanal de Poconé e no dia 6 o grupo chegou à pousada Acurizal, uma RPPN, que fica no centro da Serra do Amolar. Campe trouxe 13 pilotos para voar com ele.

Além da morraria, as filmagens até Corumbá incluíram outros ambientes naturais, como os alagados da Pousada São Pedro, e se encerraram no histórico Forte Coimbra. Numa pausa pela cidade, Sylvestre Campe visitou o Moinho Cultural Sul-Americano, escola que abrigas crianças brasileiras e bolivianas, e ali falou de seu projeto e pilotou o paramotor, interagindo e se divertindo com as crianças.

“Quem vive aqui (no Pantanal) deve sentir muito orgulho”, completa Campe. Sua presença na escola, segundo a presidente do IHP, Márcia Rolon, foi um presente para os alunos: “uma troca de experiência fantástica compartilhar com uma pessoa que olha o mundo de outra maneira e valoriza e reconhece que vivemos num lugar especial”.

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