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Plano Bolsonaro para meio ambiente pode barrar ação no Taquari

10 DEZ 2018 - 07h13Por SÍLVIO ANDRADE

A decisão do governo federal de lançar edital de chamamento público para selecionar projetos de recuperação do Taquari e, posteriormente, a realização da reunião técnica para definir os eixos estruturantes do plano de intervenção na sua bacia, apontaram para uma solução aguardada há décadas visando salvar um rio em agonia. Pela primeira vez, discutiu-se metas, propostas, ao contrário dos conflitos de interesses e a judicialização do caso no passado.

No entanto, as esperanças de, enfim, ser executado um plano de reconstrução de um rio que joga milhares de toneladas de sedimentos na planície pantaneira, desde os anos de 1970, podem ser desfeitas com a decisão do próximo governo de revogar mais de dez decretos na área ambiental. Dentre os quais, o que permite a conversão de multas aplicadas pelo Ibama em compensações em áreas degradadas. Seria mais um grande golpe no pantaneiro!

O grupo de transição da área ambiental sugeriu ao presidente Jair Bolsonaro tal medida, assim como outras na área de licenciamento ambiental, alegando que os critérios não são claros, que o fiscal do Ibama aplica a multa que bem entende e até de helicóptero. Na realidade, nos editais realizados para aplicação dos recursos de multas ambientais nas bacias dos rios São Francisco e Parnaíba, muito dinheiro foi direcionado às Ongs – as quais Bolsonaro abomina.

Momento oportuno

Os produtores rurais do Pantanal de Corumbá, município onde o assoreamento do Taquari inundou de forma permanente mais de um milhão de hectares debaixo d’água, estão temerosos com a medida a ser tomada por Bolsonaro. Muito mais porque setores da Famasul (Federação de Agricultura de MS) apoiam a decisão, que teria ainda a concordância da futura ministra da Agricultura, deputada federal e pecuarista Tereza Cristina Corrêa da Costa.

Luciano Leite, do Sindicato Rural de Corumbá, quer mobilização política do Estado para garantir ações no Taquari

Esse grupo quer o fim do que chama de “indústria da multa (ambiental)” e pode, sem medir consequências, adiar mais uma vez a intervenção no Rio Taquari, num momento em que há recursos disponíveis – fora do orçamento da União – e comprometimento governamental, dos ambientalistas, pesquisadores e, principalmente, do Ministério Público em se buscar, de forma consensual, uma solução definitiva e perene para a bacia taquarizana. O que seria lamentável!

Retrocesso

Para o diretor de relações institucionais do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), Ângelo Rabelo, a revogação do decreto penaliza uma região com inundação permanente de 1,3 milhão de hectares, enquanto existe uma oportunidade clara de reverter esse processo. Ele considera a medida um retrocesso, num momento em que o país sofre uma crise hídrica e os recursos da conversão de multas viabilizariam projetos estratégicos, como o da bacia do Rio São Francisco.

Um dos coordenadores da reunião técnica convocada pelo Ibama para definir os eixos do plano de intervenção no Taquari, na Capital, Rabelo afirmou que a proposta de revogação dos decretos demonstra desconhecimento do problema energético que o Brasil enfrenta e não faz sentido abrir mão desses recursos. “No caso do Taquari, não temos falta de água, mas excesso. A maioria das multas não vem do agronegócio, mas das mineradoras e petrolíferas.”, disse.

Uma luz no fim do rio

O edital publicado pelo Ibama e a reunião técnica realizada em Campo Grande, na semana passada, foram um grande avanço para se tentar salvar um rio praticamente morto, transformando-se em um dos maiores desastres ambientais do País. O consenso do planalto e da planície por uma ação conjunta sinalizou um acordo inédito: as intervenções devem ocorrer no baixo e no alto Taquari simultaneamente. Existe consenso e dinheiro – das multas.

“O Taquari está saindo da UTI, é o que a gente espera”, afirmou Ana Beatriz de Oliveira, coordenadora do Programa de Conversão de Multas do Ibama, ao finalizar a reunião técnica que definiu os eixos de uma ação efetiva para investimentos na bacia do Rio Taquari, que sofre um dos maiores desastres ambientais do Brasil. O encontro foi realizado na última sexta-feira (07), com a presença de órgãos governamentais, pesquisadores e produtores rurais.

A proposta final das intervenções baseia-se no plano de recuperação da bacia apresentado ao Ministério do Meio Ambiente pelo Governo de Mato Grosso do Sul, por intermédio do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de MS), em 2016. Os recursos para as ações serão captados junto ao fundo criado pelo governo federal de conversão de multas ambientais, havendo disponibilidade de R$ 2,6 bilhões com a manifestação de 800 empresas autuadas pelo Ibama.

Ana Beatriz, do Ibama, apontou os caminhos para o Estado garantir os recursos da compensação de multas

Estado apontou soluções

A reunião técnica, realizada na Assembleia Legislativa, validou a proposta do Estado, que passou por reformulações e ajustes desde o programa apresentado em 2006 pelo Grupo Interministerial. O diretor-presidente do Imasul, Ricardo Éboli, destacou o trabalho elaborado com a participação da sociedade civil, ressaltando que as conclusões do encontro mostraram que o Estado apontou o melhor caminho para recuperar o rio depois de 40 anos de discussões.

“Finalmente existe luz no final do rio”, afirmou Éboli, no encerramento da reunião técnica convocada pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência República, Carlos Marun. A meta do ministro é lançar o edital de chamamento público para apresentação dos projetos ainda esse ano. “A preocupação agora é que o próximo presidente mantenha o decreto de conversão de multas”, disse o diretor-presidente do Imasul.

A proposta de intervenção no Taquari é fundamentada em duas frentes, contemplando planalto e planície, com investimentos na recuperação nativa e do solo em áreas degradadas pela monocultura e na navegabilidade do rio, hoje totalmente assoreado por sedimentos carreados do planalto. Está previsto apoio aos arranjos produtivos, contemplando colonos e grandes produtores, e a instalação de uma base de monitoramento permanente na região.

Ricardo Ébole, do Imasul, e Ângelo Rabelo, do Instituto Homem Pantaneiro

Plano de monitoramento

Depois de ouvir produtores rurais e pesquisadores, a coordenadora do programa de conversão de multas do Ibama, Ana Beatriz de Oliveira, concluiu que os impactos ambientais, econômicos e sociais na bacia do Taquari “são absolutamente graves e nunca enfrentados na história do rio”. Ela saiu da reunião otimista e alertou que atitudes devem ser tomadas emergencialmente, algumas dependendo de recursos e outras de licenciamento ambiental.

A representante do Ibama destacou como avanço fundamental o acordo entre o Estado e o Ministério Público na questão do fechamento das bocas abertas nas margens do rio pelos produtores. "Essa ação depende de um plano de monitoramento, coordenado pelo Imasul, e o papel do Ibama é garantir o dinheiro da conversão para investimentos nas condicionantes, dentre elas esse estudo mais aprofundado dos novos arrombados”, esclareceu.

Os produtores rurais, que sofrem há décadas com as inundações permanentes na sub-região pantaneira do Paiaguás, saíram satisfeitos do encontro. O presidente do Sindicato Rural de Corumbá – município que sofre o impacto da degradação da bacia -, Luciano Leite, afirmou que pela primeira vez o governo aponta uma solução para o Taquari com dinheiro em caixa. “Estamos vislumbrando um novo momento, algo concreto e não apenas mais estudos”, disse.

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