terça, 16 de abril de 2024
BONITO

Para mergulhar fundo na capital brasileira do ecoturismo

Cidade no Mato Grosso do Sul tem grutas, cavernas, rios, lagos e muita natureza

05 NOV 2019 - 14h56Por EDUARDO VESSONI/Especial para O GLOBO

Visitar a Serra da Bodoquena é fazer turismo para dentro. No interior de cavernas alagadas de fundo desconhecido, em fendas abismais que se abrem em salões imponentes, por trilhas de mata fechada que levam a cachoeiras e até num rapel que desce por paredões de um cânion.

A quase 300km de Campo Grande, bem na borda do PantanalBonito divide com os municípios de Jardim e Bodoquena a fama de ser um dos destinos turísticos mais impressionantes do Centro-Oeste (ou do Brasil, sem medo de errar).

capital nacional do ecoturismo, no sudoeste do Mato Grosso do Sul , está encravada entre rochas de 550 milhões a 600 milhões de anos, cujo calcário sedimenta impurezas e funciona como um filtro natural das águas que correm por corredores subterrâneos.

Em outras palavras, prepare-se para estar em águas de alta visibilidade, em rios que serpenteiam áreas protegidas de propriedades particulares bem cuidadas. Aliás, tudo por aqui virou referência de turismo no Brasil. O exemplo mais significativo é o voucher único, um ingresso padronizado de acesso às atrações e que só pode ser adquirido em agências do destino.

— Uma atividade de ecoturismo é muito mais do que fazer um passeio na mata — afirma Thyago Sabino, biólogo e gerente de turismo da Estância Mimosa, em Bonito. — Ações como regular a capacidade de carga nos atrativos e implantar áreas de preservação permanente são ações extremamente importantes para viabilizar a atividade na região.

Em terras de tantos labirintos subterrâneos, o buraco é bem mais embaixo. Tão profundo que, em alguns casos, a gente nem sabe onde vai dar.

Desde os anos 1990, a Lagoa Misteriosa, no município vizinho de Jardim, vem sendo explorada em mergulhos técnicos que foram dos 66 metros de profundidade a níveis inimagináveis. Em 1998, o mergulhador Gilberto Menezes de Oliveira se arriscou numa descida que chegou a 220m. Oliveira quebraria recordes, mas não encontrou (nem ele, nem ninguém até hoje) o fundo da lagoa.

ENTRE DOURADOS E PIRAPUTANGAS

Nós, simples apreciadores de águas cristalinas, não precisamos ir tão longe.

Após uma trilha de baixa dificuldade, pouco se vê no mirante do alto da colina de acesso, além de águas, absurdamente azuladas, emolduradas por vegetação densa. O que os olhos não veem, a mente imagina.

Aberta para o turismo, em atividades bem menos radicais que as primeiras explorações de décadas anteriores, a lagoa pode ser visitada em flutuações sobre sua linha d’água, quando o visitante se veste com colete salva-vidas e snorkel para ver tudo aquilo de cima, num circuito circular que dura cerca de uma hora. Já os certificados podem explorá-la em mergulhos com cilindro, a 8m (batismo), 18m (certificação básica), 25m (avançado) e 60m (técnico).

Mergulhar na Lagoa Misteriosa é como despencar no abismo, entre paredões verticais que descem por dois poços paralelos, em direção ao desconhecido.

Não espere vida aquática abundante, porém, seus olhos verão rochas de todas as dimensões, jardins submersos e galhos sobre areias claras. E se você inclinar a cabeça para o alto, dá até para ver as copas das árvores da mata ciliar do lado de fora.

— A beleza dela está relacionada com a transparência da sua água — descreve João Gomes da Silva, chefe de operação desta que é considerada uma das cavernas alagadas mais profundas do Brasil.

Mas em Bonito, para ir profundo bastar ficar na superfície. As flutuações são uma atividade de baixa complexidade e uma das mais procuradas da região, cuja dinâmica é a mesma em, praticamente, todos os atrativos do gênero: treinamento com colete e snorkel, trilha e flutuação no ritmo do rio, entre dourados, piaus e piraputangas.

A Lagoa Misteriosa fica no Recanto Ecológico Rio da Prata, conhecido também pela flutuação mais longa do destino, por 2,6 km dos rios Olhos d’Água e Prata. Basta colocar o rosto na água para um mundo azulado, pintado pelo colorido da alta concentração de peixes, começar a passar diante das lentes da máscara.

Em Bonito, dá para flutuar também em pontos bem estruturados como o Rio Sucuri, na Fazenda São Geraldo, conhecido para águas mais azuis da região; e no balneário do Rio Nascente Azul, equipado até com um circuito com pontes sobre um lago para atividades de aventura.

— Dificilmente, no Brasil, você vai encontrar rios com boa profundidade e visibilidade superior a 10m, como em Bonito — explica João, que também acompanha mergulhos de cilindro mais rasos no Rio da Prata.

MAIOR AVENTURA DO BRASIL

Do tempo das cavernas... grutas e cachoeiras

Com cerca de 67 cavernas cadastradas somente em Bonito, de acordo com a SBE (Sociedade Brasileira de Espeleologia), a Serra da Bodoquena fica num conjunto de rochas conhecido como Grupo Corumbá. Segundo o biólogo Thyago Sabino, “a base rochosa da Serra da Bodoquena é como um queijo suíço, que tem várias fendas no subsolo, por onde a água infiltra e gera muitas cavernas e lagos de águas cristalinas”.

Para se aprofundar nessa história (e sem se molhar), cavernas com acesso seco também podem ser visitadas. Não apenas na Gruta do Lago Azul, a mais visitada de Bonito, mas em atrativos menores com boa infraestrutura para receber visitantes.

A abertura mais recente para visitação turística fica a 4km de Bonito. Na Gruta de São Mateus, caminha-se muito perto de formações curiosas como uma estalagmite de quase 2m de altura, que tem o sugestivo nome (e formato) de Bolo de Noiva, ao longo de uma trilha facilitada por iluminação em seu interior e as lanternas dos visitantes.

Outra atração parecida é a Gruta de São Miguel, que pode ser combinada com a popular Gruta do Lago Azul, a 5 km dali. Conhecida pela variedade de espeleotemas, como coraloides e travertinos, a experiência começa numa ponte pênsil de acesso à caverna, e o retorno pode ser a bordo de um carrinho elétrico.

E dá para deixar a viagem (muito) mais complexa e profunda.

A autointitulada “maior aventura do Brasil” não é exagero de marketing e se você tivesse que escolher apenas uma única atividade em Bonito, daquela que marca para sempre a viagem, deveria ser o Abismo Anhumas, devido à possibilidade de incluir rapel, flutuação e mergulho numa mesma atração.

O pequeno buraco no chão revela pouco do que vem pela frente. Mas o rapel negativo de 72m que começa nessa fazenda a 23km do Centro de Bonito é a prova de que o Abismo Anhumas é das experiências mais delirantes.

É como deslizar, no seu ritmo, por uma altura que equivale a um edifício de 26 andares. Enquanto você não alcança a plataforma sobre o lago interior, o salão vai exibindo jardins suspensos, fendas que parecem flutuar no nada e figuras que se formam nas rochas como apus, as divindades das montanhas andinas que no Anhumas parecem se materializar em desenhos naturais nas rochas.

CALMARIA COM CLIMA DE ROÇA

Mas não acaba ainda não.

Nas águas profundas lá embaixo, dá para fazer flutuação (olha ela aí de novo e com roupagem mais aventureira), e visitantes certificados podem mergulhar com cilindro, entre imensos cones calcários de até 20m de altura e esqueletos de animais que despencaram no abismo, como um tamanduá e um veado.

O valor do passeio é salgado (a partir de R$ 1.120) e inclui treinamento que deve ser feito, obrigatoriamente, no dia anterior, na sede da empresa no Centro da cidade. É tudo tão exclusivo que apenas 20 pessoas por dia podem visitar o local.

E já que as pernas estão bambas mesmo, por que não encarar mais uma aventura em Bonito?

A Boca da Onça é considerado o maior rapel de plataforma do Brasil, com 90m de altura pelo interior de um cânion. Ao final, a recompensa são banhos em duas cachoeiras dessa propriedade, a quase 60km da cidade.

Certamente, você nem se lembrará da história quando a portinha de acesso à atividade se abrir bem abaixo dos pés. Diz a lenda que o nome da atração vem da época em que o antigo proprietário encontrou uma onça-pintada com um veado recém-caçado ainda na boca, durante sua inspeção diária na área do gado. Na tentativa de salvar a presa, o fazendeiro travou uma luta com o felino até conseguir arrancar-lhe a futura refeição.

Para visitantes menos intrépidos, a fazenda tem uma trilha de pouco mais de 4km que passa por quase dez quedas d’água, incluindo seu ponto mais aguardado, a Cachoeira Boca da Onça, a mais alta do Mato Grosso do Sul, com 156m de queda.

Assim como quase todos os atrativos de Bonito, o local abriga um receptivo, equipado com área de lazer como museu, piscina de água corrente e almoço típico de fazenda (incluso no combo rapel e trilha).

Calmaria com clima de roça

Fazer turismo em Bonito não significa manter a adrenalina sempre nas alturas. Há espaço para calmaria e contemplação.

TUDO SOA, LITERALMENTE, FAMILIAR

E aqui vale voltar um pouco no tempo. Entre 1869 e 1915, este paraíso se chamava Fazenda Rincão Bonito. E antes de se tornar município, em 1948, seria também chamado de Distrito de Paz de Bonito e, mais tarde, Distrito de Paz de Miranda, subordinado ao hoje município limítrofe Miranda. Daqueles tempos rurais, Bonito guarda atrativos que convidam a se entregar a experiências em fazenda em seus arredores.

Vencedora de prêmios por suas práticas sustentáveis, como os prêmios ECO e Braztoa, a Estância Mimosa é uma típica fazenda mato-grossense-do-sul, localizada a 26km de Bonito. A partir da sede, em frente a um lago com exemplares de jacarés-de-papo-amarelo, é possível fazer uma trilha de quase 3km, parte dela sobre passarelas suspensas que levam a cachoeiras para banho ou cavalgar pelo interior da propriedade de 422 hectares.

— A ideia é que o visitante se sinta integrado a uma rotina de uma fazenda autossustentável da região — descreve o gerente de turismo, Thyago Sabino.

Com mais de 60% de suas terras em área de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), a Mimosa conta também com guias que acompanham turistas em atividades como observação de aves. A julgar pela barulheira dos pássaros logo pela manhã, quando chegam os primeiros visitantes, dá para ver que não é tarefa difícil encontrar algumas das 250 espécies registradas na propriedade. As atividades são acompanhadas de almoço feito em fogão a lenha com produtos locais, como o caribeu pantaneiro, um guisado de mandioca com carne de sol.

Seguindo mais adiante, o turista tem mais uma prova de que, em Bonito, tudo soa, literalmente, familiar. Não apenas pelo atendimento em cada uma das atrações, mas também pelo esforço que aquela gente tem em transformar áreas abandonadas em empreendimento turístico de sucesso.

O que um dia foi um imenso buraco usado para treinamento militar e até descarte de lixo, em Jardim, atualmente, é uma das maiores dolinas do mundo e santuário de araras-vermelhas que sobrevoam nossas cabeças.

Com 500m de circunferência e 100m de profundidade, o chamado Buraco das Araras tem visitas guiadas, por uma trilha leve de 970m de extensão, até deques de madeira para observação das cerca de 120 aves que frequentam a RPPN.

Mais uma vez, Bonito e seu entorno levam o visitante para dentro da natureza e da alma de aventureiro.

(*) Reportagem publicada no jornal O Globo

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