quarta, 24 de abril de 2024
ESQUECIDOS

Mapeamento dos cururueiros busca manter viva a tradição

03 MAI 2021 - 22h29Por PAULA PIMENTA/UFMS

Sonoridades e toadas peculiares fazem da viola-de-cocho um instrumento tão singular que há anos teve seu modo de fazer registrado como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Artesanal, o segredo da confecção dessa secular peça especial é dominada pelos artesãos e violeiros chamados de cururueiros, em sua grande maioria presentes em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, em regiões banhadas pelas águas do Rio Paraguai e seus afluentes.

Muito utilizada em gêneros musicais tradicionais na região, como o Siriri e o Cururu, a viola-de- cocho e sua produção está hoje restrita a um pequeno grupo de anciãos cururueiros que com dificuldades procuram manter viva a tradição.

Essa preocupante realidade levou o professor Divino Marcos de Sena, do Campus do Pantanal, a realizar a pesquisa “Mapeamento dos Cururueiros de Corumbá, Ladário e assentamentos”, com o apoio do IPHAN e da UFMS (Universidade Federal de MS), como forma de propiciar ferramentas que contribuam para a preservação dos saberes relacionados à viola-de-cocho, e às músicas, danças e personagens a ela atrelados.

Mestre Agripino Magalhães, um dos maiores precursores do cururu morreu aos 101 anos na beira do Rio Paraguai, em Corumbá

“É interessante pensar o cururu e o siriri como uma das maiores expressões da cultura popular que existem no Pantanal brasileiro, e não me refiro apenas a Mato Grosso do Sul, mas também ao Mato Grosso. Quando o cururu e o siriri ocorriam de forma mais intensa, essas localidades como Corumbá e Ladário mantinham uma estreita relação com outros ambientes que também são banhados pelas águas do Rio Paraguai e seus afluentes, com a circulação de indivíduos e suas ideias, crenças e tradições”, explica o professor.

Perdendo espaço

Presente até na região do médio Tietê, o cururu chegou a São Paulo, assim como o ouro que era extraído de Mato Grosso para ser destinado aos cofres da Coroa Portuguesa.

“E nesse trânsito existiam vários indivíduos que trabalhavam como remadores, proeiros, camaradas, trabalhadores da navegação, todos de uma parcela mais pobre da população, e identificamos aí a presença do cururu e do siriri, que mantêm uma estreita relação com os populares e principalmente com a vida na área rural”, completa.

Mas, no decorrer do século XX, os cururueiros acabaram tendo de migrar para os espaços urbanos e acabaram levando consigo também as suas formas de recreação: música e dança, respectivamente.

Sendo assim, os mestres cururueiros possuem uma importância ímpar na manutenção dessa tradição cultural, segundo o professor Divino, por serem exportadores de saberes, de como produzir a viola-de-cocho, as toadas (músicas que são cantadas), de todo o ritmo ou ritual da celebração do Cururu em festas religiosas, com o culto aos santos do catolicismo ou o enfoque ao amor, à natureza, entre outros.

Esse novo espaço (urbano), porém, nem sempre foi favorável e acessível para que ocorressem as rodas do Cururu, avalia o professor Divino, já que existe a preocupação em deixar esse espaço urbano mais disciplinado, “moderno” com restrições a atividades festeiras em determinadas horas.

“Com isso, o cururu vem perdendo espaço e perdeu também diante da modernidade, das transformações culturais, já que a cultura de massa veio com força e acabou atingindo até mesmo os descentes dos cururueiros, que acabaram muitas vezes não se sentido atraídos pela manutenção da tradição na família”, lamenta o pesquisador.

Em 2019, o professor identificou 26 pessoas que em algum momento estiveram ligadas a essa tradição cultural e que residem na área urbana ou nos assentamentos rurais em Corumbá e Ladário, marco espacial analisado. Vinte participaram da pesquisa, 18 homens e duas mulheres, sendo que dois já faleceram.

Oficina de confecção de viola-de-cocho em Corumbá: uma ação que não tem continuidade. Foto: Divulgação

Pouco valorizados

“A grande maioria tem uma idade avançada, mais de 70 anos de idade, são indivíduos que diante de suas condições socioeconômicas não conseguem se manter apenas com os saberes dos cururueiros. Alguns produzem a viola-de-cocho para ser comercializada e ainda assim isso não ajuda a subsistência da família. Isso faz com que os cururueiros acabem se afastando um pouco desse universo da viola-de-cocho ou do cururu e do siriri”.

Muitos se veem desestimulados, porque só são lembrados e procurados nos momentos de festas juninas, como o tradicional Banho de São João, em Corumbá. “Por mais que a viola-de-cocho tenha sido registrada no livro de Saberes do Iphan, como patrimônio cultural, pouco ou quase nada foi alterado na vida desses indivíduos”, relata o pesquisador.

Com a colaboração na pesquisa dos professores do Cpan Edgar Aparecido da Costa, Beatriz Lima de Paula Silva, Lucineide Rodrigues da Silva e Thierry Rojas Bobadilha, da rede municipal de ensino, o professor Divino enfatiza que seria importante que os governos municipais e estadual difundissem essa cultura pantaneira no meio estudantil.

O pesquisador vê como auxílio que as mídias locais e regionais também trabalhem nesse processo de valorização, convidando cururueiros ou expondo periodicamente aspectos dessa cultura pantaneira, de forma a reconhecer a importância do grupo para a história.

Além disso, incentivo do Estado para a criação de um espaço no qual os cururueiros pudessem compartilhar os seus problemas e encontrassem possibilidades para resolvê-los, além de expor os seus trabalhos como a viola-de-cocho e outros souvenirs que pudessem ser vendidos. Iniciativas que acabaria estimulando renda extra para complementar a subsistência e incentivar os praticantes na permanência dessa tradição e a inserção de outras pessoas.

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