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COTIDIANO

Google Earth vira “megafone” para os povos da Amazônia

28 JUL 2017 - 08h12Por Exame

Ubiratan Surui aponta para o mapa em um monitor na sede do escritório do Google em São Paulo e, com impressionante grau de detalhes, vai revelando os segredos da terra onde vive em plena floresta amazônica. “Aqui ficam os melhores pontos para coleta de castanha, ali é onde aparecem mais onças, aquelas são as melhores áreas para caçar e pescar, neste outro ponto foi onde aconteceu o primeiro contato com brancos”, conta.

Diferentemente de seus antepassados e dos indígenas mais velhos do povo Surui, verdadeiras enciclopédias de conhecimento tradicional, Ubiratan usa tecnologia de geolocalização para preservar a cultura do seu povo, promover conhecimento entre os mais jovens e monitorar ameaças às fronteiras de sua terra. “Muita gente diz que a introdução da tecnologia na cultura indígena é negativa, mas nós estamos utilizando a tecnologia a nosso favor e também divulgando nossa realidade para o mundo”, afirma.

Ele não está sozinho nessa, embora quando se pensa na imensidão da floresta amazônica, nem sempre considera-se os povos e culturas que vivem nela e ajudam a mantê-la de pé. A partir de hoje, qualquer pessoa do mundo poderá mergulhar numa jornada profunda sobre a história da floresta e de seus povos, contada por meio de vídeo, mapas, áudio e realidade virtual em 360º.

O Google Earth lançou globalmente 11 histórias interativas que abordam diferentes aspectos da região amazônica, onde vivem 25 milhões de pessoas, mais que a população da Austrália. Cada história do projeto Eu sou Amazônia contempla os desafios e ameaças a esse ecossistema complexo,  que produz 20% do oxigênio do planeta e abriga uma em cada 10 espécies de animais do mundo.

É possível conhecer sobre os rios voadores, a cadeia de produção de iguarias da floresta, como a castanha-do-pará e o açaí, ou descobrir como comunidades, que antes praticavam extração ilegal, agora se reestruturaram com esforços sustentáveis.

Maior genocídio da história

Na seção Viajante, os povos da Amazônia compartilham suas vivências em um formato rico e interativo. Há poucos dias, o estudante de biologia Diego Larga, do povo indígena Cinta Larga, estava às voltas gravando um “streetview” de um local na aldeia “onde o pessoal se banha”, parte de um esforço para desenvolver o ecoturismo nas terras de seu povo, que pegam parte do sul de Rondônia e uma pequena parte do sul de Mato Grosso, totalizando 2,7 milhões de hectares.

Apontando no mapa no Google Earth, ele mostra onde ocorreu o maior genocídio da história dos Cinta Larga, em 1964, o Massacre Paralelo 11, onde morreram 5 mil indígenas, envenenados com arsênio por militares, seringalistas e garimpeiros. “Sobraram apenas 400, meus pais escaparam desse conflito e hoje em dia estamos na resistência e contando essa história para o mundo inteiro”, diz.

Ele clica na aba “educação” e fala do plano de educação que o estado de Rondônia firmou em 2015 com o Ministério Público Federal para garantir 100 bolsas de estudo superior  para o povo Cinta Larga. “Só a gente pode fazer a diferença para o nosso povo. Com esse projeto, estudamos sobre como fazer a gestão do território e assim buscar autonomia” conta Diego, que menciona empolgado a possibilidade de usar drones para realizar vigilância contra invasões.

Como ferramenta socioambiental

“O Google Earth é uma plataforma para contar histórias sobre o mundo, por isso fizemos do ‘storytelling’ uma prioridade”, conta a diretora do Google Earth, Rebecca Moore. “Acreditamos que nos tempos atuais, quando as pessoas em todo o mundo parecem se dividir em facções, se polarizando, cada vez mais temos que encontrar formas de criar pontes. Queremos ajudar a empoderar as comunidades da Amazônia para que elas contem sua história e coloquem seus povos no mapa, ao mesmo tempo em que criamos uma nova fonte de educação poderosa para o mundo”, afirma.

A ideia de usar o Google Earth como ferramenta socioambiental não é nova. Ela remonta ao ano de 2007, quando o chefe Almir Surui decidiu bater na porta do Google, na Califórnia, para propor uma parceria para ajudar a aldeia na proteção da floresta e na divulgação da cultura do povo Paiter-Surui. “Nossa luta é para conscientizar o mundo, mostrando que nós podemos sim ser protagonistas do nosso futuro, e essas ferramentas tecnológicas facilitam muito isso. Floresta não é só patrimônio dos povos indígenas, é patrimônio do Brasil e do mundo. Cada um tem o dever de defender e acreditar que é capaz de fazer mudanças para melhor”, setencia.

Essas e outras histórias já estão disponíveis para desktops e dispositivos móveis em g.co/EuSouAmazonia.

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