“As cidades de Ladário e Corumbá, no Mato Grosso do Sul, guardam respostas para um dos maiores mistérios da ciência”, revela Ricardo Trindade, geofísico do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e coordenador de visita que inventariou geossítios no Pantanal Mato-grossense. Segundo ele, a presença de fósseis importantes na região chamou a atenção de cientistas do mundo inteiro, por trazer pistas para compreender os caminhos da evolução na Terra. Trata-se de organismos marinhos – as corumbellas e cloudinas.
A relevância da investigação é o fato destes organismos terem habitado a Terra entre dois períodos geológicos bastante importantes (o Criogeniano e o Cambriano), quando aconteceram grandes inovações biológicas no Planeta. Foi durante o Cambriano, há cerca de 530 milhões de anos, que começou a surgir uma diversificação de animais e apareceram formas de vidas mais complexas, que foram relacionadas às mudanças ambientais.
Agora, pesquisadores da USP se juntarão a outras equipes de geofísicos, paleontólogos, químicos e biólogos brasileiros e estrangeiros para tentar compreender como e quando se deu este salto evolutivo, e quais eram as condições da Terra nessa época.
Fatores ambientais
Cientistas do Brasil, França, Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra e China vão investigar vestígios fósseis e traços químicos deixados em rochas no Brasil, na África e na China durante a grande transição biológica. Uma equipe de pesquisadores da USP já está na cidade de Ladário, Mato Grosso, para coleta de material e análises em laboratório, a fim de saber quais foram os fatores ambientais que influenciaram na mudança do tipo de vida que existia na superfície do planeta Terra. Umas das hipóteses consideradas foi o aumento do oxigênio e de nutrientes.O projeto temático O sistema Terra e a evolução da vida durante o Neoproterozoico, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), reúne cientistas desses países, com a coordenação de Trindade.
Os fósseis de cloudinas e corumbellas – espécies que habitaram a superfície terrestre no período Ediacarano, entre 630 e 542 milhões de anos atrás – já haviam sido encontrados em outros lugares do mundo, como Namíbia, Omã, Argentina, Paraguai, Espanha e China. A diferença é que os fósseis encontrados no Brasil têm uma característica especial: se restringem a um período específico (entre 550 e 542 milhões de anos atrás). “Esta peculiaridade faz deles um guia para o estabelecimento cronológico mais preciso de camadas geológicas”, explica Trindade. “Pela análise das camadas rochosas, será possível saber quando exatamente ocorreram tais mudanças”, conclui.
Corumbá-bela
Alguns trabalhos científicos descrevem a cloudina como um animal pequeno, multicelular, com exoesqueleto calcário envolvendo seus tecidos moles e que habitava mares rasos, que, provavelmente, banhavam a região do Mato Grosso. Tanto as cloudinas quanto as corumbellas são os primeiros seres encontrados com carapaças, que serviam de proteção contra predadores, ondas do mar e correntes marinhas. As corumbellas tinham a aparência de uma minhoca e o seu nome foi uma homenagem feita pelo geólogo alemão Detlef Walde, em 1980, à cidade de Corumbá (Corumbá-bela). As cloudinas foram descritas em 1985 por uma equipe de pesquisadores orientados pelo professor Thomas Fairchild, do Instituto de Geociências (IGc) da USP.
Geopark Bodoquena
Os dois geossítios inventariados pela equipe do professor Trindade fazem parte do Geopark Bodoquena, que fica localizado no Pantanal. Ao todo, são 54 geossítios catalogados. O propósito do trabalho é avaliar e identificar os locais mais representativos em termos de história geológica para assegurar a preservação das rochas, dos fósseis, dos minerais, do solo e das geoformas para que estes possam ser estudados por cientistas. O Pantanal é uma região com importantes substratos rochosos, com particularidades geológicas e paleontológicas de fundamental importância para o entendimento da evolução da vida na Terra.
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