As Romarias da Santa

14 MAI 2023 • Por ARMANDO ARRUDA LACERDA • 10h10

Naquele início dos anos 70, a sequidão era uma constante no Pantanal, cada garoa era recebida como um presente dos céus.

Minha mãe Eudóxia, apegou-se com uma Imagem de Nossa Senhora de Fátima que originalmente era da Igreja Matriz onde iniciava todos os seus dias, participando da Santa Missa.

A imagem começou a viajar para o Pantanal com minha mãe, era uma preciosa carga que quase todos os pilotos civis de Corumbá, puderam carregar em seus aparelhos.

Certa feita, a imagem ficou um tempo na Fazenda São Luiz onde minha mãe preparou em catequese uma turma para Primeira Comunhão, e todos os dias, após o jantar, catecismo e depois rezava-se o terço.

Numa época de seca e ausência de chuvas ela fez uma peregrinação em romaria com a imagem, percorrendo muitas fazendas da Nhecolândia, com Tio Laurindo de Barros e Tia Nilce de condutores em sua caminhonete Willis.

Descansados os romeiros, reiniciaram percorrendo quase a totalidade das fazendas do Paiaguás…

O protocolo era a chegada da Santa, como era tratada a imagem de Nossa Senhora de Fátima, rezava-se o terço, e, se havia cemitério na fazenda, munidos de latas de água, entre cânticos e rezas, molhavam-se as cruzes das sepulturas.

E seguia a romaria para a próxima fazenda, há um fenômeno comunicacional no Pantanal, conhecido como Rádio Peão, não se sabe como, espalha-se a notícia, e quando se chegava numa fazenda, haviam verdadeiras disputas de qual seria a próxima, a oferecer refeições aos romeiros ou dar pouso à Santa em peregrinação.

Em certas regiões, várias caminhonetes e tratores engrossavam a Romaria, todos ansiosos pelo milagre do Pantanal voltar a ter fartura de águas vindas do céu.

Pessoalmente só tive a oportunidade de acompanhar uma dessas Romarias, realizada no município de Poconé (MT), iniciada na Fazenda Bela Vista de tio Vadô, que cedeu um trator Massey Ferguson 35 e um tratorista de confiança para acompanhar minha mãe e tia Nhanhá na Romaria.

Perdoem-me se falhar a memória, mas na Fazenda São José do tio Guilherme incorporou-se tia Marinês e na Fazenda Esperança, tia Tita, ostentando ainda pesado luto por tio Palmiro recém falecido, as irmãs, cunhadas e primas incorporaram-se todas para ida à Fazenda de tio Indalécio.

Na Fazenda São José havia aparte comunitario de bois do condominio de todas as fazendas da região, com o vistoso avião Beech Aircraft Bonanza, do boiadeiro de Araçatuba e várias comitivas acampadas para levar o gado.

Fechada a quantidade de 1.000 bois, o Comissário ferrava a boiada e a comitiva pegava o estradão, novos bois eram encerrados, apartados e, atingido o número, outra comitiva deixava a fazenda em direção a estação de Carandazal, no município de Corumbá.

Todos eram donos, de alguma quantidade dos bois que comporiam as boiadas e acompanhavam ansiosos o aparte, a cada vez que o boiadeiro gritava “-Boiada” o dono era avisado, e guardei a imagem de um colaborador que tinha 1 boi, e quando este foi selecionado, ele pulou da cerca e dançou em cima de seu pobre chapéu, comemorando…

Na Fazenda de tio Indalécio, ele incumbiu alguém de me levar ao curral, onde pendurou-se uma lata de óleo e pude dar um tiro, sentir o coice e ouvir o urro de uma legítima 44 papo amarelo…

Na Fazenda de tio Ires e Tia Nicolice, assisti ao jantar de seus cães, que se mantinham impassíveis enquanto o praeiro amontoava a sua frente a boia do jantar, só depois do caldeirão esvaziado, após piso e repiso, e autorizados por tio Ires, os cães comiam, com uma educação a dar lições aos participantes de alguns banquetes a que já compareci.

Em Poconé, havia um telefone de manivela, interligando as fazendas, além do RT, que sempre anunciava à próxima fazenda, o horário de nossa chegada, a carreta lotada de romeiros seguia cantando e rezando ininterruptamente o Rosário.

Ao final, pajeados pelos ares pelo Comandante Gilson e seu possante Skylane PT-DCA, após quase 30 dias, copiosa chuva nos molhou no retorno a Fazenda Bela Vista, comprovando a fama de milagreira da Peregrina Nossa Senhora de Fátima e a fé dos romeiros.

De retorno a Corumbá, final de janeiro de 1973, já havia notícias da primeira enchente em muitos anos, na Região do Abobral, em 1974 o Pantanal inteiro foi a pique, e encerrou-se aquele período de secas e incêndios, de muita fé e milagres no Pantanal.

A imagem de Nossa Senhora de Fátima foi encaminhada para uma Igreja nova que a cultua, e quando quero lembrar de minha mãe Eudóxia passo lá e visito, de uma vez só, minhas duas mães, a biológica e a do céu, que continuam, teimosamente, a proteger minha vida…

Viva 13 de maio!
Viva Nossa Senhora de Fátima!
Viva o Pantanal e os pantaneiros!