PASSARINHANDO

BIOCEÂNICA É TAMBÉM ROTA PARA O TURISMO DE OBSERVAÇÃO DE AVES

4 MAI 2023 • Por SILVIO DE ANDRADE • 19h36
Flamingos-chilenos (Phoenicopterus chilensis) e marrecas-cricri Spatula versicolor) - Fotos: Simone Mamede, Maristela Benites e Maria Angélica Cardoso

Porto Murtinho, no extremo sudoeste de Mato Grosso do Sul, com uma porção do Pantanal do Nabileque, e o Chaco paraguaio é uma região (úmida e seca) considerada de grande diversidade de aves. Pesquisadores identificaram recentemente mais de 370 espécies residentes e migratórias do lado brasileiro, e quando se avança para os Andes, em direção ao Pacífico, as possibilidades de avistamento se multiplicam com registros raros.

A Rota Bioceânica, onde Brasil, Paraguai, Argentina e Chile se unem para criar um novo corredor comercial, vai potencializar o turismo e nesse contexto se insere a observação de aves. As pesquisadoras Simone Mamede e Maristela Benites, do Instituto Mamede, participaram de um estudo que se estendeu por 2.454 km, de Campo Grande a Antofagasta, no Chile. Conclusão: é um excelente roteiro, pronto para ser percorrido, contemplado e apreciado.

Simone e Angélica durante a expedição já em território paraguaio

E mais: “o roteiro para o turismo de observação de aves na Rota Bioceânica é algo inovador com base em ação conservacionista e sustentável que pode unir povos, tendo como elo e motivação a leveza do passarinhar”. Simone e Maristela retornaram à região, em abril, acompanhadas da passarinheira Maria Angélica Cardoso (professora de pedagogia da UFMS). A expedição se estendeu por 1.540 km (ida e volta), de Campo Grande à Loma Plata (Paraguai). 

Crestudo.

No Avistar Brasil

A Expedição Rota Bioceânica será apresentada pelo Instituto Mamede durante o Avistar Brasil (maior evento de observação de aves da América do Sul), que ocorrerá entre 19 e 21 de maio, na USP, em São Paulo. A palestra de Simone Mamede será no dia 20. O Avistar Brasil retoma este ano a temporada de Destinos Silvestres, com a presença de 18 destinos turísticos de birding e observação de aves pelo Brasil e América do Sul.

Simone é uma grande incentivadora de birdwatching, cidadã cientista, ambientalista, educadora ambiental, fotógrafa, especialista em ecoturismo, com doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional. Maristela é biólogo, educadora ambiental, com mestrado em Ecologia e Conservação, e pesquisadora em avifauna. São sócias no Instituto Mamede, uma empresa com sede em Campo Grande que atua nas áreas socioambiental e sustentabilidade.

Maristela, Angélica e Simone na cidade paraguaia de Carmelo Peralta, fronteira com Porto Murtinho

A professora Maria Angélica, 59, fez um relato para Lugares (leia abaixo) dessa última viagem. Ela se diz passarinheira amadora e novata. Começou em 2017, nos parques de Campo Grande. Participa do Global Big Day desde 2019. “Tenho comedouros e frutíferas no meu quintal que é visitado por cerca de 21 espécies”, conta. Em 2022, esteve em um hotel-fazenda em Minas Gerais, de férias. “Especificamente para observar aves, esta foi a minha primeira viagem.” 

Mapa da pesquisa entre Campo Grande-Antofagasta

 

UMA VIAGEM INCRÍVEL!

Acompanhe o relato da Maria Angélica:

Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
(Manoel de Barros)


 

“Às cinco horas da manhã do dia 21/04, partimos na Expedição Aves da Rota Bioceânica Brasil – Chaco

Roteiro da expedição de abril

organizada pelo Instituto Mamede de Pesquisa Ambiental e Ecoturismo. Passando por Nioaque, fomos obrigadas a parar: araras-azuis, a maior espécie de arara do mundo, disputavam as palmeiras da praça. Na avenida, araras-canindés enfeitavam mais palmeiras e saindo da cidade, o belo voo das araras-vermelhas. Começamos muito bem!

Seguimos. Eu não conhecia Porto Murtinho. Era um sonho desde 1995. Conhecer o dique, o Castelinho, os saladeros, a Fazenda Margarida, a Fazenda São Roque. 28 anos se passaram e lá estávamos nós: Simone, Maristela e eu.

Ainda na estrada, a histórica Fazenda Margarida que, em tempos idos, servia de ponto de apoio aos trabalhadores ervateiros – alimentação, descanso, troca de bois e oficina. Estava lá, linda! Bem mais à frente, deveria estar a Fazenda São Roque, na chegada à cidade de Porto Murtinho, com sua linha de ferro. Mas não a identificamos. Decepção! Ela não existe mais? O que teria ocorrido? Parece que foi comprada por um grupo empresarial, mas não tivemos informações oficiais.

Antes da entrada à sede do município, uma raposa-do-campo morta por atropelamento. Triste prenúncio do que será se não houver ações efetivas para prevenção da mortalidade de animais por atropelamentos resultantes do tráfego de caminhões para a Rota Bioceânica. Essa é uma espécie rara e ameaçada de extinção.
Chegamos à cidade. Enfim, o Castelinho e o dique. Dos saladeros, somente uma porteira com cadeado.

Imediatamente seguimos para o almoço. Hora de provar o famoso lambreado, prático típico da fronteira com o Paraguai. Dona Ramoninha, nossa anfitriã, preparou com carinho aquele quitute maravilhoso.

Rapazinho-do-chato

E as aves! Periquitos-de-cabeça-preta em bandos, maitaca-verde, papagaio-verdadeiro, gavião-caboclo, marrecas, noivinha, maguari, garibaldi, bigodinho, caboclinho-de-barriga-vermelha, capacetinho, além de sabiá-do-campo, tuiuiú, carcará, cabeça-seca, entre tantos outros. Nossa lista chegara a quase 70 espécies em apenas uma tarde em Porto Murtinho. Foram tantos lifers que nem prestei muita atenção naqueles que estamos habituados a ver aqui em Campo Grande!

Cedinho, de balsa, fizemos a travessia do Rio Paraguai. Os camalotes desciam o rio. Estariam eles levando o bercinho de algum curutié? Na travessia um bando de mais de 500 indivíduos de carretão-do-oeste nos saudou com suas acrobacias aéreas, um talha-mar talhou o rio e, na beira, uma saracuruçu se equilibrava no barranco de concreto. Três lifers em poucos minutos! Desembarcamos no lado paraguaio, cidade de Carmelo Peralta.

Maguari

Entre Carmelo Peralta e Loma Plata mais aves: inhambu-chintã, coleiro-do-brejo, pia-cobra, gaviões de várias espécies – carijó, caramujeiro, do-banhado, pernilongo, caboclo, preto, de-rabo-branco. Além das aves, os carandás, em longas fileiras! No carandazal, cada ave no seu poleiro: garças-grandes e pequenas, biguás, pernilongos, cabeças-secas, tuiuiús, biguatinga, maguaris. Coisa mais linda de se ver!

Após o almoço em Loma Plata, nos dirigimos a Laguna Capitán. Na estrada duas águias-serranas bailavam no ar, logo acima de nossas cabeças. Apresentaram-nos um show! Chegando na pousada, fomos recepcionadas por quatro flamingos-chilenos elegantérrimos, pelo arapaçu-platino e por três supostos tico-ticos-verdadeiros que depois descobri serem três crestudos.

 

A estadia em Laguna Capitán foi fantástica e sempre em companhia das aves: carão, alegrinho-do-chaco, risadinha, rapazinho-do-chaco, trinta-réis, iraúna-de-bico-branco, pica-pau-de-testa-branca, batuqueiro-chaquenho, corredor-crestudo (um joão-de-barro topetudo), bico-duro, calhandra-de-três-rabos, falcão-de-coleira, o capororoca e o segundo lifer da Simone e da Maristela, o monterita-de-colar, pequenininho, lindo! 

Para mim o centésimo ou mais, eu já havia perdido a conta! Não dá para mencionar aqui cada ave avistada, mas a lista fechou em 145 espécies. Só vivendo a experiência para sentir a emoção e a “abundância de ser feliz por isso”.

Foram três dias intensos! Voltarei! Meta para o próximo lifer: encontrar a coruja-do-chaco (Strix chacoensis).”

Saiba Mais:
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