Cerimônia de formatura no Pantanal

25 JAN 2023 • Por ARMANDO ARRUDA LACERDA • 09h47

(Minhas homenagens para os inesquecíveis Vitor e Homero Lima e o companheiro de estórias Manoel Martins)

Dizem que os pantaneiros adoram título de Doutor, mas o certo é que, ou você passa a vida brigando, repetindo “não sou doutor” ou você se conforma e releva.

De minha parte, repito "sou Dotô de Alô Pantanal", pois o finado Lalá não economizava em seu programa diariamente durante décadas, outorgar o título a quem quer que passasse aviso, talvez só mais um bordão que criara.

A maioria surdamente debochava dos títulos outorgados pelo Lalá, o Reitor enlouquecido do Programa Alô Pantanal, o melhor jeito da gente da cidade se comunicar com a gente do campo, outro bordão que repetia incansavelmente.

Tinha que avisar antes e aprendi que para escapar era só começar o aviso com o nome: “Armando avisa a Fazenda..."

Reza a lenda do Pantanal, que numa família o pai direcionou os dois irmãos mais velhos para a lida rural, dotados de inteligência e tino para negócios logo prosperaram e ajudaram o terceiro irmão a se tornar médico, o Doutor orgulho da família.

Negociavam gado e equinos pelo Pantanal todo, e numa situação de mercado saturado para compra de vacas velhas para engorda local, aventuraram-se para o outro lado do Rio Cuiabá, no São Lourenço.

Demoraram para adquirir e juntar o suficiente para ocupar a excelente invernada arrendada na fértil região do Abobral.

O atraso trouxe chuvas torrenciais, o gado fraco e a falta de prática nas estradas do Município vizinho, tornaram a condução verdadeiro tormento, visto que não queriam perder nenhuma cabeça de vaca, arrancada a peso de ouro, das garras dos espertos poconeanos.

Por infelicidade, num dia de muita chuva em vez de saírem no Porto onde fariam a travessia para o Município de Corumbá, acharam-se sem rumo seguindo uma longa cerca.

Nada mais restou do que pararem e prepararem a ronda para manter gado e cavalos sob vigília a noite inteira.

Quando viram o cansaço dos companheiros, os dois irmãos assumiram sozinhos a ronda da noite.

Conhecidos como eméritos gozadores, mas numa hora da chuva particularmente grossa e os raios a inquietar o gado, um deles quebrou das carnes e virou para o outro, gritando por conta da chuva:

"Que tinha eu de meter-me nesta lida de gado..."

E lembrando-se do irmão médico: "Certamente se eu tivesse me formado estaria a dormir em lençóis engomados...”

E com voz de lamento profundo:

 "Ah, meu Deus, se eu tivesse me formado...”

Diante de tal deixa, o outro irmão, sem pena, carcou: 

"Você queria ser formado? É pra já... Vou tocar a tropa, e vou formar você no meio dela, assim você fica para todo o sempre, formado!"

E desatou a rir, acordando tudo e todos a sua volta, fuzilou um raio que clareou tudo e outro irmão gritou: 

"Formado! Formado...! 

E acompanhou as gargalhadas.

Riram tanto que uma réstea de claridade filtrou por baixo das nuvens, anunciando a madrugada e a direção correta que deveriam seguir. 

Segundo um amigo de ascendência poconeana, a diferença dessas duas formações, a universitária e a pantaneira, são basicamente a orientação pedagógica.

A pantaneira, foge completamente da doutrina Paulo Freire, e obedece rigorosamente, de buçal argolado na mão, rabo de tatu enroscado no cabo da faca na cintura, a Cartilha do famaná Mané Caxaim.

(*) Pantaneiro do Porto São Pedro, Pantanal do Amolar (Corumbá, MS)