COMITIVA PANTANEIRA

UM DIA DE PEÃO, NO RITMO DAS ÁGUAS E NA CADÊNCIA DAS BOIADAS

Cultura ameaçada, roteiros inserem o turista no universo da lida do campo que atravessa séculos

28 JUL 2022 • Por SILVIO DE ANDRADE • 06h43
Cena comum no Pantanal: travessia de boiada pelos campos alagados, sob a batuta do peão pantaneiro - o homem em harmonia com a natureza - Foto: Foto: Adriano Gambarini/WWF-Brasil)

E assim,
De curral em curral, 
Chega a boiada 
ao seu destino final,
Dar a vida que tem,
Pela vida do Pantanal!

(Osório de Barros)

A passagem de uma comitiva pantaneira pelas cidades de Aquidauana e Anastácio (distante 130 km de Campo Grande, pela BR-262), no dia 24 de julho, despertou a curiosidade e o interesse das pessoas em conhecer e vivenciar o meio secular de transportar uma boiada, que resiste a modernização logística e a tecnologia espacial. O fato foi registrado pelo jornal aquidauanense O Pantaneiro (veja galeria de imagens) e viralizou nas redes sociais.

A comitiva saiu do Pantanal da Nhecolânia, em Corumbá, com destino a Maracaju, um dos celeiros de grãos de Mato Grosso do Sul. Uma distância que pode ser calculada em mais de 500 km, percorridos entre asfalto, picadas, estradas conservadas e alagados. O pior trecho foi vencido: foram 20 dias para chegar à área urbana de Aquidauana, transpondo uma região de acesso difícil, apesar da seca na planície pantaneira. Até Maracaju, serão mais dez dias, pelo menos.

A cena já não tão comum mostrada pelo jornal, vista com frequência, porém, no remark da novela Pantanal, foi acompanhada pelos moradores da cidade. Sem pressa de chegar ao destino, centenas de bovinos invadiram áreas habitadas na periferia da cidade pantaneira, levantando poeira e revelando a lida do peão na condução de uma boiada - hoje cada vez mais transportada pelo caminhão, porém se tornando um produto turístico que atrai muita gente ao Pantanal. 

Comitiva Pantaneira chega a Aquidauana, cruzando área urbana, chamou a atenção dos moradores da cidade pantaneira. Foto: O Pantaneiro

Uma profissão em extinção

A prática de conduzir o gado a pé por longas jornadas acompanha a evolução da pecuária extensiva no Pantanal, explorada há mais de 200 anos. Os ciclos de cheia e seca e as dificuldades de acesso ao planalto introduziram um sistema de transporte, hoje incorporado à cultura local, para movimentar o gado entre fazendas, aos portos pluviais e levar animais para engorda fora da planície. A abertura das estradas vem reduzindo gradativamente as comitivas.

O transporte de boiada andando pelas estradas ou corredores, com essas características, era praticado nos estados de São Paulo, no então Mato Grosso e Goiás, sul de Minas Gerais, incluindo o Triângulo Mineiro, e norte do Paraná. O maior fluxo era em direção a Barretos (SP), onde se instalou em 1913 o primeiro frigorífico do Brasil. A Festa do Peão de Boiadeiro da cidade, criada no ano de 1.956, é inspirada nas comitivas e na figura do peão de boiadeiro.

Teses acadêmicas e o cancioneiro sertanejo buscam descrever esse universo do condutor de boiada e seu modo de vida, onde se encontram as histórias de assombração, contadas nos pontos de pouso, as técnicas utilizadas no manejo do gado, as superstições, crenças e tradições que constituem sua identidade. Uma profissão que está em extinção, sendo substituída pelo transporte rodoviário – menos desgaste do gado, menor custo, etc.

Peão conduz uma boiada na MS-228, estrada que corta a região da Nhecolândia (Corumbá), em direção a um leilão. Foto: Andre Nantes/Leiloboi

Seja um peão de comitiva

No Pantanal de Mato Grosso do Sul, ainda é possível cruzar com uma comitiva, seja na cheia ou no manejo de invernadas. O regime das águas define o movimento da vida e também da pecuária nesse lugar fantástico. Quando a planície inunda e o caminhão não chega, as fazendas promovem a retirada de milhares de cabeças de gado. Uma operação conduzida pelo homem pantaneiro, com sua experiência e destreza em superar campos alagados no lombo do cavalo.

Boiada fugindo da cheia: atração turística na beira da BR-262. Foto: Sílvio de Andrade

A partir da vivência do boiadeiro e de sua relação com a natureza, são construídas orientações espaciais durante a condução do gado. Antes uma – ou única – alternativa para salvar o boi da cheia e engorda-lo no planalto para abate, a comitiva boiadeira tornou-se, nos últimos anos, um atrativo também turístico. Cada vez mais as pessoas querem experimentar esse universo da vida campeira, vivenciado as mesmas adversidades desse homem místico e sua sabedoria.

Hotéis-fazendas e pousadas da região oferecem pacotes exclusivos para acompanhar uma boiada, uma experiência única e um verdadeiro mergulho na cultura pantaneira. Tudo é preparado e oferecido para o turista se aventurar como um verdadeiro peão de boiadeiro e sua indumentária típica: laços, chapéus, botas, arreado e bruacas. A atividade inclui o pouso no campo, para contemplar o céu estrelado, e o saboreio da comida tradicional de comitiva.

A cidade de Miranda (200 km de Campo Grande) oferece roteiro turístico completo, onde o turista se torna também peão e passa a noite em tendas, com fogueiras e muita prosa. E se emociona com o toque do berrante na condução da boiada por aquela imensidão. Na pausa da lida sob sol escaldante, o chef da cozinha serve uma “bóia” reforçada e gordurosa, a base de carne seca, alho e sal, no preparo do Arroz de Carreteiro, Macarrão de Comitiva e Carne Soleada.

Saiba mais
pioneiroturismo
https://www.visitpantanal.com/experiencias/comitiva-pantaneira/