Sustentabilidade ambiental e inclusão social: partes indissociáveis de um Desenvolvimento pleno

6 MAR 2021 • Por JACQUELINE CAVALCANTE • 20h48

Em 1969, com a primeira foto da Terra vista do espaço, o coração da humanidade viu-se tocado pela sua beleza e simplicidade, havendo uma tomada de consciência de que se vive em uma única Terra – de que se compartilha da mesma casa. Isso propiciou o inicio de um conjunto de reflexões, dentre elas, a de que devemos proteger a saúde e o bem-estar desse ecossistem.

Contudo, verifica-se uma eterna dicotomia entre conservacionistas e economistas, entre preservar e desenvolver. Mas será que é necessário separar uma coisa da outra? Não seria possível desenvolver preservando? Ou, não seria melhor um desenvolvimento comprometido com o ecossistema?

O lugar habitual das discussões sobre temas que envolvem o crescimento econômico ganham novos contornos e requerem atualizações para englobar outras dimensões do desenvolvimento, tais como: estratégias de produção, inovação e competitividade, sustentabilidade ambiental, convergência regional, equilíbrio campo/cidade, inclusão e sustentação humana e social, dentre outras dimensões e qualificativas. 

Há necessidade de que se reconheça a imprescindibilidade do elemento humano, de que se busque essa inclusão social e sustentação humana, onde a economia, o ambiente e o social não sejam vistos de forma isolada, ou supervalorizados individualmente, mas entendidos como dimensões recíprocas. Nesse sentido, destaca-se Ignacy Sachs³, para quem o verdadeiro desenvolvimento deve ser includente e sustentável e, considerando-se que há muitas pessoas pobres excluídas do desenvolvimento, é necessário inclui-las através do trabalho para que ocorra um verdadeiro desenvolvimento sustentável. Lembrando que a ideia seria, não apenas diminuir a pobreza, mas acabar com ela.

O uso contemporâneo do termo sustentabilidade tem suas raízes na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano em Estocolmo, em 1972, que se concentrou na necessidade de a Terra ser mantida como um lugar adequado para a vida humana, não apenas agora, mas para as gerações futuras. A ênfase estava nas atividades humanas que resultam em degradação ambiental, especialmente poluição causada pela industrialização, tendo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) publicado a Estratégia de Conservação Mundial em 1980 e relacionado as preocupações sobre sustentabilidade ao conceito de desenvolvimento, com a ênfase de que o desenvolvimento sustentável deve levar em conta fatores sociais, ecológicos e econômicos da base de recursos vivos e não vivos e, a longo prazo, bem como vantagens e desvantagens de curto prazo de ações alternativas.

Posteriormente, fala-se em desenvolvimento sustentável a partir dos estudos da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as mudanças climáticas, como uma resposta para a humanidade perante a crise social e ambiental que passava o mundo, a partir da segunda metade do século XX. Por meio da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD) – Comissão de Brundtland, presidida pela norueguesa Gro Haalen Brundtland – na Conferência das Nações Unidas (“Rio 92”), também conhecida como Eco-92 ou Cúpula da Terra, foi elaborado o relatório “Nosso Futuro Comum”, que contém informações colhidas pela comissão ao longo de três anos de pesquisa e análise. Nesse relatório o conceito de “desenvolvimento sustentável” pressupõe o atendimento das necessidades presentes sem o comprometimento das possibilidades de atendimento às das futuras gerações. 

Nessa conferência internacional, cujo objetivo seria catalisar a cooperação internacional em prol de ações concretas para conciliar o desenvolvimento econômico, com a proteção ambiental, nos termos do Relatório Brundtland, compareceram 100 chefes de Estado, além de delegados, organizações intergovernamentais e representantes de organizações não governamentais, o que demonstra a relevância do evento, sendo aprovados três documentos jurídicos: a Declaração do Rio, a Agenda 21 e a Declaração sobre Florestas. Além disso, foram abertas para assinatura a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica.

Passados quase 30 anos desde a Rio 92, aqui no Brasil a noção de “desenvolvimento sustentável”, enquanto noção de limitação à exploração até o esgotamento, vem sendo substituída pela noção de que o condicionamento à atividade econômica, implica em entrave. A Lei nº 13.874/2019, conhecida como “da liberdade econômica” é resultante do pressuposto de que havia uma atuação governamental contra a atuação empresarial, passando-se à extinção de fatores como legislação trabalhista, ambiental, etc., numa visão de que esses seriam responsáveis pelo atraso da economia brasileira, e que se tais restrições existissem nos países desenvolvidos, nunca teriam chegado ao ponto que chegaram. Ora, nem os governos anteriores foram hostis ao mercado, mas subservientes a ele, e nos países “desenvolvidos” o Estado sempre esteve presente, fosse estabelecendo comandos como agente econômico, ou impedindo que a desigualdade na distribuição dos bens se convertesse em fator de esgarçamento social.

E que dizer das consequências? Visando a que o país atue no mercado internacional, priorizando-se facilitar às empresas iniciarem suas atividades e continuarem operando, gerando empregos e tributos, sem que se exijam os cuidados necessários à prevenção dos danos ou para a respectiva recomposição, porque tais cuidados representam custos, chega-se à falta de sensibilidade com as necessidades humanas, a ponto de resultar efeitos sobre os humanos por decorrência de desastres, provocadas por dolo ou culpa de outros seres humanos, o que poderia conduzir ao arrependimento todos quantos saudaram “flexibilizações”, muitas vezes à margem da lei, concedidas a empresas, sob o fundamento de tratar-se de um desnecessário obstáculo burocrático. Basta lembrar-se das consequências dos desastres de Mariana em 2015 e de Brumadinho em 2019, ambos em Minas Gerais.

A evidência de que a mudança de paradigma proposta pelo relatório Brundtland ainda não foi totalmente superada ou consolidada, extrai-se da contemporaneidade das ideias pregadas, inclusive, pela Encíclica Papal Laudato Si, publicada em 18 de junho de 2015, tendo por subtítulo "Sobre o Cuidado da Casa Comum". No texto, o Papa Francisco critica o consumismo e o desenvolvimento irresponsável e faz um apelo à unificação global das ações para combater a degradação ambiental e as alterações climáticas, além de reconhecer que a degradação do meio ambiente atinge os mais fracos e que uma abordagem ecológica verdadeira se torna uma abordagem social para que, tanto o clamor da Terra seja ouvido, como o clamor dos pobres.

Assim, deve-se ampliar a visão de desenvolvimento, passar a interpretá-lo como um processo de expansão das liberdades reais de que desfrutam os cidadãos de um país, conforme defende Amartya Sen¹, o que requer a remoção das principais fontes de privação de liberdade, tais como, a tirania, a pobreza, a carência de oportunidades econômicas, a destituição social sistemática, a negligência de oferta de serviços públicos essenciais e a insegurança econômica, política e social. Embora o crescimento seja condição necessária, por propiciar liberdade, por si só não é suficiente. 

 * Colunista do Jornal digital Folha do Meio Ambiente