Um amigo me escreve, propondo uma reflexão de que o mundo neste século é dominado pela teoria de que as relações humanas atuais são moldadas pelo paradigma da cultura do ócio e do lazer.
Cada vez se exige menos mão de obra intensiva para processos produtivos, onde a internet, as redes sociais e a preguiça amalgamaram novas relações trabalhistas, de troca e de comércio, balizadas por "likes", lacrações e sinalizações de virtude.
Quem, nascido no século passado, veio ao mundo e se criou na perspectiva de só haver sobrevivência digna, dentro da práxis do trabalho e da produção de algum bem, produto ou serviço, urbano ou rural, parecem estar condenados a se tornarem algo como fósseis vivos, aptos a extinção sumária.
Essa cultura do ócio, do prazer, do lazer contemplativo, precisa dominar grandes espaços ou territórios onde seja possível gerar empregos para uma população de "qualificados" que nada produzem de real ou material a não ser burocracia, normas, papéis, concessões...
Fotos, vídeos, filmes, arte, só se for a serviço de manter narrativas e ilusões de engenharia social, milimetricamente programadas em agências de publicidade.
Num mundo pós pandemia, agora os catastrofistas precisam de novas formas de coagir populações passivas, mantendo-as reféns das novas e apocalípticas situações das mudanças climáticas.
Ser bonito, fotogênico, extenso e conservado, enfim um enorme "landscape" tornou o Pantanal a bola da vez, o prêmio cobiçado por dez em dez Ongs, ansiosas por colonizar em nome do bem, uma enorme lavanderia sem limites, a propiciar um "green washing" de Carbono a todos os poluidores a quem colocassem a adaga da poluição no gogó, pela culpa nas mudanças climáticas.
Aqui acharam terreno fértil, após severa depressão econômica pós enchentes repetidas, e na omissiva ocupação desordenada dos Planaltos circundantes, de onde desceu um avassalador assoreamento, fragilizando economicamente a produção local.
Estabelecido um novo ciclo de seca veio a tragédia dos incêndios em áreas ainda esvaziadas da população tradicional, evento explorado pornograficamente com a divulgação escatológica e inaudita de bichos feridos ou queimados.
Além da contínua lavagem cerebral no público urbano de que tais incêndios eram culpa da atividade tradicional de pecuária, encontrou uma elite pública e empresarial apática e sem convicções ou força para fazer tal enfrentamento, muitos em busca de uma beirinha, de um lucro extra, de um modo de se ajeitar nessa nova e reluzente máquina.
Ainda falta muita coisa, pois alguns irredutíveis pantaneiros, prisioneiros de uma cultura que impõe há gerações uma ética focada na produção sustentável, com um amor e compromisso inarredáveis com a conservação do Pantanal, cumpridores da lei e portadores de todos os títulos , escrituras e cadastros legais, dificultam sobremaneira até por já escolados de repetidas tentativas de apropriação.
Necessário se faz ampliar-se ao máximo qualquer mínimo deslize, um fogo criminosamente iniciado ou mesmo de ignição natural, uma carrada de lenha ou o acero e posteamento de uma cerca, um roçado pra mandioca ou banana, um ITR absurdamente confiscatório, tarefa a que setores burocráticos fiscais, jurídicos e repressivos dos entes estatais, se atiram com o prazer inaudito dos psicopatas, sem mínima empatia por seres humanos, mas capazes de se desmanchar em lágrimas por uma trucagem cinematográfica de um bicho ferido e exposto criminosamente.
Conseguiremos superar este cerco final? Breve saberemos o que o verdadeiro Mercado decidirá!
O conceito de reparação ou compensação de danos, não é simplesmente poderosos entes governamentais e empresariais imporem numa determinada região, sua visão fragmentada de especialistas em negócios reunidos com segmentos da ciência num conclave de infalíveis!
Definindo como num Concílio de semideuses, novos dogmas a serem cumpridos por seres vivos e não vivos, tão somente agentes divulgadores da novidade na planície do Pantanal.
A monetização repentina e exógena da especialidade vivencial de uma população tradicional, simples apropriação por intermediários da sua cultura e modo de viver, jamais gerará um mercado viável, um bem de valor global, sem uma cadeia produtiva a gerá-lo continuamente...
O produto Carbono equivalente, a Compensação de Reserva Legal, a Prestação de Servicos Ambientais no Pantanal, constituída só com especuladores e reguladores será de concretização impossível, se continuar esquecendo-se de convocar quem consegue produzir com sustentabilidade, convivendo com os pulsos de seca e enchente, mosquitos e mutucas, frio e calor, essência étnica da vida no Pantanal!
Parem de imaginar a proteção e conservação do Pantanal como um gigantesco Big Brother via imagens de satélite, onde qualquer urbanóide interagirá e será protagonista ativo de um tipo de seriado do bem, comandando de sua poltrona algum tipo de implacável Grupo Armado de Repressão a Crimes Ambientais, a descer de rapel de bizarros helicópteros.
*Pantaneiro do Porto São Pedro, Serra do Amolar, em Corumbá (MS)
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