quinta, 13 de fevereiro de 2025
ARTIGO

Pantanal real... Míngua e fartura na seca, míngua e fartura na enchente!

05 JAN 2025 - 12h10Por ARMANDO ARRUDA LACERDA

Um pantaneiro das antigas, expressava que chegar ao seu lugar de pertencimento no Pantanal, seria como chegar num pedacinho de céu, vocalização de um verdadeiro processo de transcendência que pode ocorrer a qualquer pessoa, à semelhança de um insight repentino, iluminando e levando a uma sintonização e comunicação com toda a natureza material e imaterial do entorno.

Para mim aconteceu aos poucos, começou muito antes da famosa enchente de 1974, curtas temporadas vividas na feliz infância dos anos 60, quando ainda podia banhar e pescar traíras nas águas da grande enchente de 1959.

Logo essas águas secaram, passamos a mergulhar nas águas dos rios subterrâneos, bombeadas e acumuladas nas pilhetas de concreto armado, que ainda traziam a marca do mestre poconeano Zé Rondon, indicando o ano da desértica seca anterior, 1953.

Toda noite, os moradores da Fazenda se reuniam para orar por chuva, maneira de agradecer fazendo o “quilo” após o jantar (pausa necessária para baixar tanta fartura), onde depois corriam estórias, entre elas, guardei como parábola, a do tio Albino.

Era este tio Albino, filho do português Albino Lacerda da Vila Nova do Famalicão, imigrante num vapor depois da Guerra Guazu, que chegara, por transbordo em Buenos Ayres e Corumbá, desde o velho mundo até a cidade litoraleña portuária de São Luiz de Cáceres.

Criei-me, portanto ouvindo a história da sua opção de vida, entre possibilidades de riqueza ou poder, escolhera ser nada mais que um lavrador, dizem que tio Albino naquele 1953, amanheceu cumprindo a urgente missão de carpir o enorme e esturricado pirizal da baía atrás da sede da Fazenda São Luiz, onde remanescia um resto de umidade e iniciou plantação com a única semente disponível em maior quantidade: tabaco.

Todos o tomaram por louco, mas o certo é que, fiado na própria inspiração, conseguiu colher gigantesca quantidade de folhas de fumo, que com capricho secou, enrolou e curtiu.

Era o tempo das grandes boiadas atravessando quase diariamente o Paiaguás, rumo ao Porto Rolon e Carandazal, por esses boiadeiros, a notícia de tal fartura de tabaco de excelente qualidade, correu por todo Pantanal e arredores, levando todo o produto colhido, processado em rolos amarelos e negros, serem vendidos em pouco tempo.

Onde todos quase perderam o juízo de tanto lamentar pelos prejuízos da repentina grande seca, o lavrador pantaneiro Albino Pinheiro de Lacerda, tomou consciência das vibrações que o avisaram que era a oportunidade de produzir algo para compartilhar e trazer alívio, pela fumaça embriagadora, tão necessária naquelas dificuldades climáticas vivenciadas por todos.

Enchente ou seca, períodos maiores de grandes secas ou de grandes enchentes, pulsos históricos trazendo cada qual, necessidades e farturas diferentes para a vida do Pantanal, pois nada por aqui é limitado ou estático antes contém, em cada porção, a constância da mudança, tudo sempre muda para que, talvez, tudo permaneça igual!

Pude ainda aprender com Tio Albino, lá na beira do Córrego da Penha, que apesar das leis humanas serem como facas afiadas, que pouco molesta quem maneja a riqueza, sempre triunfará a felicidade da fartura como a lograda na Fazenda Penha, onde exerceu plena solidariedade ao ensinar aquela comunidade a cultivar com fé e confiança, colhendo a verdadeira abundância solidária, capaz de satisfazer todas as pequenas e grandes necessidades existentes ao redor…

Tio Albino Pinheiro de Lacerda está enterrado junto com outros descendentes de sua numerosa tribo, no cemitério situado ao sopé do Morro da Penha, portanto, incorporado definitivamente a essa região conhecida como Morraria da Penha, fazendo destes morros (peñas) batizados há 500 anos por Álvaro Cabeza de Vaca, um local onde os carismas do Pantanal despertam insights nos visitantes, a uns inspiram pertencimento ao local, a outros, o desejo de que tudo aquilo lhes pertença para poderem monetizar como reserva…

Esta história traduz, que na comunidade tradicional da Vila do Amolar, submetidas ao destrutivo domínio de ongs e garimpeiros disfarçados de pesquisadores e ambientalistas, trazendo lembranças e lições, que deveriam conduzir inspiradoras referências aos homens de boa vontade já que não são profecias e sim a chave de como localizar o espírito coletivo da proteção e verdadeira sustentabilidade futura para toda essa histórica região.

No alto dos morros ou no fundo dos corixos e baías, o Pantanal amola consciências, para que todos possam abrir o espírito, e conhecer a verdadeira solidariedade e o tamanho da esperança agasalhada nos que vivem lá, pois amam conviver em simbiose com as inconstâncias dos períodos de míngua ou fartura, nos eternos pulsos de fluxos e refluxos naturais do Pantanal…

Acompanhei expedição governamental até as nascentes do Córrego da Penha, enviada pelo Presidente João Goulart, para pesquisas geológicas com a CPRM sustentando até hoje os trabalhos geológicos e as famílias descendentes capitaneadas por Roberto Carlos e Valdemar, continuem a ensinar seus filhos e netos os caminhos da criação de gado leiteiro, agricultura e desenvolver turismo com o novo aeródromo da comunidade.

Que iluminados pelas luzes do espírito de Tio Albino e inspirados no sacrifício recente de sua bisneta Iracy Magalhães, traga a todos do Amolar, Acurizal, Barra, Chané, Palmital, Bonfim e arredores, a possibilidade de afastar os manipuladores de informações e poderem voltar a viver dentro de suas tradições no lugar a que pertencem, a partir deste ano de 2025.

(*) Pantaneiro do Porto São Pedro, Amolar, Corumbá (MS)

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