quinta, 17 de julho de 2025
ARTIGO

Pantanal: Caso de polícia ou de política?

19 MAI 2025 - 09h15Por ARMANDO ARRUDA LACERDA

A presidência da COP30, sob o comando do embaixador André Corrêa do Lago, publicou na quinta-feira (8) a segunda carta voltada à comunidade internacional. 

De maneira prática, a presidência dessa COP convida líderes comunitários, acadêmicos e cientistas a explorar a melhor ciência disponível e a sabedoria ancestral para identificar como as instituições podem ganhar exponencialidade no emprego de soluções e versatilidade na resposta “ao imprevisível”.

Como sobrevivemos a inúmeras temporadas sob o jugo de focos de fogo aleatórios, naturais ou criminosos, que por falta de prevenção e medidas mitigadoras se transformaram em incêndios devastadores, calcinando as matas ciliares dos rios Paraguai e São Lourenço, e suas Áreas de Preservação Permanente, no entorno de "áreas protegidas SNUC."

Os pantaneiros filhos da mãe do fogo e cultores do fogo amigo, também chamado de queima tradicional, tornaram-se os suspeitos de sempre, repetidamente linchados pelas narrativas urbanas que se recusam a reconhecer a ciência empírica e a comprovada sustentabilidade dessa prática secular, o que tem até aqui, propiciado sucesso aos latifúndios acumuladores de material combustível vegetal, e no impune e lucrativo, negócio do fogo (The pop fire business)...

Nesta última temporada reconhecemos alívio, diante dos avanços e investimentos em prevenção, o principal deles a base Permanente do Corpo de Bombeiros Militar do Mato Grosso do Sul, no "hot point" Barra do São Lourenço e também do investimento em estrada pioneira ligando o Porto São Pedro com a Estrada Central do Paiaguás, podendo até atingir Coxim, Rio Verde e Corumbá e via Ponte do Porto Joffre conectar-se com o Pantanal do Mato Grosso em Poconé (MT).

Expectativa também de um Aeródromo para dotar estes limites do MS e MT com uma base estratégica de acesso perene ao Paiaguás, concentrando os meios logísticos aéreos e terrestres de combate a incêndios.

Linhas de energia certamente acompanharão essas novas estradas pantaneiras, dando sequência à eletrificação do Pantanal, objeto de cláusula específica que onerou durante décadas os consumidores urbanos quando da privatização da Cemat e Enersul. 

Essa onerosidade nas contas de energia urbana, mercê da universalização desse serviço público para as áreas rurais do Pantanal, talvez esteja na origem de uma certa má vontade, com que as populações rurais tradicionais pantaneiras são vistas pelas populações urbanas das capitais, Cuiabá e Campo Grande, que induzem um injusto preconceito de que gente significa um risco para a conservação do Pantanal.

Derivando numa certeza de que o princípio da precaução de riscos ou danos ambientais seriam só possíveis em idílicas e utópicas RESERVAS e ÁREAS PROTEGIDAS...

Sedimentou-se aos poucos um obtuso negacionismo do fato que a sustentável cultura da pastorícia da pecuária pantaneira estava perfeitamente integrada com a conservação da fauna e flora do Pantanal, levando os movimentos ambientais urbanos embasados nesse enviezado princípio da precaução passar a  praticar o linchamento  arbitrário da cultura dessa secular cosmovisão.

Parece evidente que isto propicia uma zona de conforto extremo como estratégia de evitar decisões polêmicas diante de situações de risco, somente configurando acaciana prevenção do perigo para algo julgado precioso por todos, quanto mais distantes do local, mais sensíveis de se deixar embriagar por esta mera sinalização de virtude.

Confirmação da tese científica: "- O risco traça a relação ente uma decisão política ou jurídica e suas possíveis consequências danosas... Risco ou perigo é uma questão de perspectiva: Para quem toma a decisão a consequência danosa é um risco, e para quem está sujeito aos efeitos de uma decisão tomada por terceiros, a consequência é um perigo."

São quase meio século  de narrativas, onde  tudo que diz respeito à  pecuária pantaneira tradicional, fica sujeita a espoliação e expropriação por uma externalidade  negativa exacerbadamente difundida, ainda estamos por ver qualquer inquérito ou perícia comparando, por exemplo, uma área onde  a pastagem  impalatável de um furabuxal, um charravascal  espinheirado ou um rabal de burro que foi substituída por gramínea  plantada sem desmatamento, multiplicando  a capacidade de sustentação de herbívoros com  água pura  e complementos minerais necessários aos bovinos, circunstâncias de livre acesso que propiciam   um  florescimento  exponencial quase imediato da biodiversidade, tanto da fauna como da flora nativos...

Os pantaneiros sempre estarão preparados para aceitarem o imponderável do convite que o Embaixador Corrêa do Lago fez à comunidade internacional ao exaltar a sabedoria ancestral, bem como reiteramos nossa fé e esperança a todos que se preocupam com o Pantanal,  para que também percebam a justeza do apelo agostiniano do novo Papa Leão XIV:

  “-Desarmemos a comunicação de todo preconceito, rancor, fanatismo e ódio. Purifiquemo-la da agressividade. Uma comunicação desarmada e desarmante nos permite compartilhar um olhar diferente sobre o mundo e agir em coerência com nossa dignidade humana.”

O Pantanal continua a  expor, esperando que a beleza da simbiose de gente, bichos e plantas do Pantanal que ainda podemos apreciar em algumas  regiões, sejam nosso melhor  argumento  para substituirmos a tristeza de um Pantanal tornado tão somente Caso  de Polícia, por um benfazejo Pantanal  imponderável, desarmado,  desarmante e secular   triunfo de  paradisíaca solidariedade inter espécies, um caso de política para se divulgar a  carne oriunda de seu criatório,  como a mais sustentável do mundo.

(*) Pantaneiro do Porto São Pedro, Amolar, Corumbá (MS)

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