Dois diretores florestais de empresas de papel e celulose e um ambientalista numa conversa informal. Enquanto o tema do momento era o reflorestamento, eles falam de floresta em pé. Afinal de contas, o Brasil tem mais de 60% de cobertura florestal nativa. Há que se cuidar desse ativo.
Era verão, o fogo descontrolado preocupava. O mais novo mandou na tecnologia. Cuidava de reservas de floresta com uma torre de observação humana e mais oito torres com sensores de calor cobrindo 10-12 km de raio cada. Um profissional numa sala com ar condicionado de frente para as telas de monitoramento, uma para cada sensor. A floresta estava protegida! Fantástico! O mais velho falou de um outro método: uma torre e 8 homens fazendo ronda no chão. Olhos arregalados, boca aberta em volta da mesa. Ele explicou: quando meu colega detecta um foco de incêndio através dos sensores, lá naquela sala com ar condicionado, o técnico tem que acionar os brigadistas mais próximos, que por sua vez se deslocarão para apagar o fogo. Tomara estejam perto! Seus homens, quando detectam um foco incêndio, apagam na hora.
Claramente uma conversa estereotipada. Didática, portanto. A floresta que o profissional mais experiente administrava permitia o monitoramento in loco. Além do acesso, tinha comunidades de entorno com quem a interação era importante, fosse para coibir a caça ou as invasões, fosse para o trabalho conjunto frente a um incêndio. A outra, dos sensores de calor, não precisava dessa interação e trouxe o melhor da tecnologia. Dois casos bem-sucedidos, cada um melhor adaptado à sua realidade. Dois grandes diretores florestais. Afinal de contas, o setor de papel e celulose tem sob sua responsabilidade quase cinco milhões de hectares de florestas nativa, preservadas como áreas de proteção permanente -margens de rios e áreas de relevo – e reservas legais, tal qual prescreve o Código Florestal Brasileiro.
O ambientalista lembrou de uma propriedade florestal de 500 hectares que seu grupo conservacionista comprou fazia mais de dezanos, para pilotar, fazer real, a compensação de reservas legais. Um produtor que tivesse desmatado além do permitido por lei e tivesse que compensar sua floresta teria ali uma área para alugar os direitos e se regularizar. O projeto inaugurou alguns procedimentos nos cartórios. No final, tiveram que vender a área. A compensação não veio – ainda não veio! - porque essa regulamentação do Código Florestal ainda está sendo debatida... A ONG não conseguiu arcar com os custos de manutenção daquela área. Chegaram cedo demais para a realidade que bate à porta de todos os produtores rurais hoje: a necessidade de um serviço de gestão de florestas em pé.
“Ruralistas e ambientalistas reconhecem que essa conservação
que todo e cada produtor rural tem que fazer tem valor. Uma
forma rápida de recompensá-lo por isso é também reduzir os
custos de manter essas áreas, gerar empregos, testar e disseminar
técnicas e tecnologias de um novo setor da economia associado
à produção agropecuária, voltado para cuidar das florestas
em pé e dos seus serviços. O Brasil agro vai se descobrir floresta”
Não havia na época, não há hoje ainda, estudos que parametrizem esse serviço de gestão de florestas nativas. 500 hectarestalvez fosse muito pequeno para um ou dois profissionais que guardavam a área. Ficava caro. E se fossem 5.000 hectares, valeira a pena? Num paralelo com os custos do reflorestamento, que é muito mais estudado, replantar com árvores nativas uma pequena área, de até 10 hectares, pode custar 15.000 reais. Para uma área de 50 hectares, esse custo já cai pela metade. Isso se chama economia de escala. Talvez os mesmos dois profissionais dessem conta de uma área maior. Talvez pudessem vender o serviço para os vizinhos, afinal de contas, todo produtor rural tem que ter sua reserva legal bem cuidada. Ou poderiam trabalhar para uma associação de produtores! Daria até para comprar os sensores de calor e aplicá-los nas áreas em que um modelo espacial topo de linha indicasse como os custo-efetivos. Poderiam ter uma equipe de guardas-parque bem treinados. Poderiam representar esses fazendeiros frente aos usuários de água e dizer que há um serviço sendo prestado pelas florestas no meio rural, que mata a sede das pessoas, que move as indústrias. Seriam gestores de floresta, que poderiam cuidar de reservas legais e das margens de rios, trabalhando para os produtores rurais que hoje em dia sabem bem cuidar de soja, gado, cana, algodão.
O tamanho desse setor de florestas a ser bem administrado é imenso, possivelmente, uns 100 milhões de hectares. Isso é quase o tamanho do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, nossos parques e reservas, que cobrem hoje 17% do país. Os dados do Cadastro Ambiental Rural – CAR, com a cobertura florestal de cada imóvel, infelizmente ainda não revelam essa riqueza natural. A preocupação ainda está no número de cadastros, nas suas sobreposições na malha fundiária, no desmatamento ilegal, enquanto o grande ativo florestal fica em segundo plano. Mas isso virá! Aquela área de “mato” das fazendas vai ser cuidada. Mais que cumprimento da lei, é água, é carbono no chão, é bicho correndo, abelha polinizando, produtividade aumentando. Ruralistas e ambientalistas reconhecem que essa conservação que todo e cada produtor rural tem que fazer tem valor. Uma forma rápida de recompensá-lo por isso é também reduzir os custos de manter essas áreas, gerar empregos, testar e disseminar técnicas e tecnologias de um novo setor da economia associado à produção agropecuária, voltado para cuidar das florestas em pé e dos seus serviços. O Brasil agro vai se descobrir floresta.
* Ana Cristina Barros é diretora de infraestrutura sustentável para a América Latina da The Nature Conservation (TNC)
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