A criação de uma legislação específica para o Pantanal está prevista na Constituição Federal há quase 30 anos. O bioma é hoje um dos menos protegidos do Brasil. Além da lacuna legal de três décadas, desde que o novo Código Florestal entrou em vigor, em 2012, ele indicou o Pantanal como área de uso restrito, mas direcionou aos estados a obrigação de legislarem sobre a proteção e o desenvolvimento de atividades econômicas na região. Isso gerou novos problemas sobre a gestão desse bioma, ameaçado pelo desmatamento contínuo das regiões de nascentes.
O Pantanal é a maior área alagável continental do mundo. Uma região única do planeta, considerada uma zona de intersecção de ecossistemas e refúgio de espécies ameaçadas de extinção em outros biomas, como a onça-pintada, o tuiuiú e a arara-azul. Vivem no Pantanal, segundo o Ministério do Meio Ambiente, 463 espécies de aves e 132 espécies de mamíferos. O bioma também é uma importante fonte de recursos hídricos do Brasil.
Preservar os rios da Bacia do Alto Paraguai (BAP) – que formam o Pantanal – é fundamental para garantir o equilíbrio da região. O bioma depende desse frágil balanço entre as águas das terras altas e das planícies, por isso é considerado uma paisagem de exceção, um Complexo Ecossistêmico. Esse é um dos grandes desafios para sua proteção, uma vez que o desmatamento concentra-se principalmente nas regiões de planalto e avança para a planície.
Entre os anos de 2012 e 2014, a BAP perdeu 187.000 hectares. A grande maioria dessas áreas foi convertida em pastagens. Os dados fazem parte do mapeamento do desmatamento da BAP, realizado a cada dois anos pelo Instituto SOS Pantanal. A entidade foi fundada em 2009, por um grupo de empresários, pesquisadores e ambientalistas apaixonados pelo Pantanal e que perceberam o aumento gradual das ameaças nesse bioma.
Em maio, serão divulgados os novos dados consolidados dos últimos dois anos de monitoramento (2014-2016). Porém, além do mapa tradicional, será publicado o Atlas do Pantanal. A proposta é lançar uma análise aprofundada sobre os vetores dessa destruição e compreender suas causas.
A falta de um marco legal é um dos obstáculos para o controle dessas ameaças. Hoje, apenas Mato Grosso do Sul possui algum tipo de legislação para o bioma, o Cadastro Ambiental Rural do Pantanal (CAR-Pantanal). Enquanto isso, Mato Grosso ainda não chegou a um ordenamento legal sobre esse bioma, que segue com regras de uso e preservação indefinidas.
Para tentar estimular avanços na construção de uma legislação para o Pantanal, além de estudar os vetores do desmatamento, o Instituto SOS Pantanal tem promovido o diálogo entre os diversos setores envolvidos na proteção da região: academia, membros do Judiciário, empresários, terceiro setor e representantes das populações tradicionais.
Um dos principais pontos de discussão é a necessidade de um entendimento geral sobre como a lei definirá o que é o Pantanal e que metodologia será aplicada para determinar sua abrangência.
Sem um marco legal que traga todas essas definições, como prevê a Constituição, há uma tremenda fragilidade em tudo o que envolve a proteção do Pantanal. Hoje, nem sequer sabemos qual é a legislação correta para definir as áreas de preservação permanente nesse bioma.
Para avançar nessas discussões, uma das ações executadas pelo Instituto SOS Pantanal foi a promoção de uma reunião com 23 membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, que atuam no bioma. Foram três dias de imersão no Pantanal de Miranda, para o reconhecimento in loco das diversas fitofisionomias (as paisagens naturais) e das ameaças que envolvem esse bioma.
Esse encontro foi de suma importância para que os promotores tomem contato com a realidade do patrimônio ambiental que precisam proteger. Muitos vieram de outras regiões e nunca tiveram a oportunidade de ver de perto a dinâmica dos ecossistemas da região, dos quais geralmente tratam apenas em seus gabinetes.
Um dos principais resultados desse encontro foi a Carta de Miranda, assinada no dia 31 de março. Articular para que o Congresso Nacional crie uma legislação específica para o bioma foi um dos pontos da Carta. O documento também solicitou que todas as ações em prol desse bioma ocorram de forma conjunta entre as entidades dos estados que formam o Pantanal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O diálogo com as entidades ambientais de Paraguai, Argentina e Bolívia, para que sejam traçadas ações que garantam a sustentabilidade ambiental de toda a Bacia do Alto Paraguai, também está previsto. A Carta contém outros 13 pontos referentes à preservação desse bioma.
O Pantanal passa por um dos momentos mais delicados de sua história em termos de ameaças, principalmente nas regiões de planalto e nas áreas do entorno. As lavouras de grãos e o desmatamento avançam a cada ano e há um desentendimento sobre que leis podem ser aplicadas.
As entidades que atuam na região devem estar alinhadas entre as definições e propostas para a proteção do Pantanal. Do contrário, vamos continuar perdendo um grande tempo apenas para que um órgão compreenda o que o outro está tentando indicar.
Os promotores que assinaram o manifesto integram o novo Grupo de Trabalho Interministerial do Chaco-Pantanal. Uma iniciativa da Rede Latino-Americana do Ministério Público Ambiental, da qual fazem parte membros da academia e institutos de pesquisa.
A Rede enviou, em março, um Mandado de Injunção ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, em prol do Pantanal. A medida fixa um prazo para que o Congresso Nacional elabore uma lei específica para o Pantanal, conforme determina a Constituição Federal. A referida norma deve regular o uso, proteção e princípios do regime jurídico do Pantanal.
Esperamos que toda a sociedade abrace a ideia de um marco legal para a proteção do Pantanal. Todos os anos o bioma perde importantes áreas nas cabeceiras e nascentes de seus rios, o que pode inviabilizar toda a dinâmica de sua paisagem. Ela depende do ciclo das águas. Sem rios perenes, não haverá Pantanal como conhecemos.
* Felipe Augusto Dias, diretor executivo do Instituto SOS Pantanal.
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