"Há mais coisas entre o céu e a Terra, Horácio, do que sonha nossa vã filosofia". (William Shakespeare, Hamlet)
"Há mais coisas entre os motivos e os incêndios no Pantanal do que possa imaginar nossa programada e já estabelecida compreensão dos fatos". (João da Mata)
"Para tudo o que acontece há que haver uma explicação. Coisa alguma advém do nada". (Autor desconhecido)
Aos que nunca ouviram falar dele, apresento o João de Mata: Entidade há muito estabelecida no Pantanal. Antes do mais antes de tudo e todos, João da Mata é senhor de tudo o que sempre existiu e daquilo que passou a existir também. Algo que você pensa que é só seu, assim como no feudalismo, é dele também.
João está inquieto e ensimesmado. Mas que diabo, fala ele com seus botões, pensei já ter visto de tudo por estes brejos e cerrados, por estas morrarias e descampados, nas profundezas das águas e do chão, neste céu antes de azul e agora de vermelho, neste vento que brincava com as árvores e encrespava os rios, que aquecia e refrescava a tudo e todos e agora queima e cobre tudo de carvão e dor.
João da Mata não vê surgir a roça plantada após o fogo e também não vê o gado catando os primeiros brotos que surgem das cinzas nas áreas mais húmidas do terreno, logo após a queimada, tenros e nutritivos e que junto às cinzas produz o amolecimento das fezes, prenúncio de rápida engorda. João da Mata não sente o cheiro do estrume seco do gado sendo queimado em fogo brando e insistente.
“Uai, diz ele, não tem roça e não tem gado?”
João da Mata que sempre só observou agora tem perguntas:
Por que este fogo se repete todos os anos nos mesmos lugares?
Por que não se investiga esse fato incontestável?
Por que não se aceita que as reservas como foram concebidas são um erro para qualquer concepção de preservação ambiental?
Por que não há punição para os responsáveis e apenas para fazendeiros grandes, médios e pequenos?
Por que essa demagogia em relação ao Homem Pantaneiro, fingindo valorizar sua cultura, quando as políticas públicas não atendem aos seus anseios?
Por que o poder público exige o cumprimento das leis, quando ele próprio as burla para beneficiar amigos?
Por que essa exposição permanente de gestos pouco ou nada significativos que são essas minguadas rações oferecidas aos animais, quando o que se queima e o que se perde é toda uma cultura e sua próspera economia?
Por que esse esbanjar de bençãos todos os anos quando se sabe sobejamente do
pecado original?
Haverá uma investigação do atento Tribunal de Contas?
João da Mata, sentado sobre uma tora queimada de uma antes portentosa piuveira,
olhando o que sobrou da antiga cordilheira que margeava o Rio Paraguai, tenta entender os últimos acontecimentos.
Há bastante tempo ouve falar que o Pantanal foi redescoberto por gente do mundo todo e
que haveria um interesse de expurgar a sua população para, por fim, implantar outra maneira de exploração. Sempre se perguntava como isso seria possível e porque, visto que tudo estava em seu devido lugar por aqui.
Mas o fato e que esse pessoal chegou, ou pessoalmente ou através das Ongs ambientalistas que os representa.
Chegou com muito dinheiro e, portanto, com muito poder. De fato, ajudaram a escrever a constituição federal e nela criaram os tais Patrimônios Nacionais. Nessa embalada, colocaram o Pantanal e começaram a restringir o seu uso.
Havia ameaça na Amazônia e na ainda sobrevivente Mata Atlântica. No Pantanal
havia paz e concórdia. Mas foi a semente daquilo que se colhe hoje: expoliação geral.
Da Lei Magna, em 1988, partiu-se para leis comuns: Novo Código Florestal Brasileiro, de 2012, que veio com capítulo especial sobre o Pantanal, restringindo sua utilização. No mesmo sentido, em 2015, um decreto estadual é acrescentado à doentia legisferância brasileira e, por sua conta, restringe mais o exercício do direito de propriedade pelos pantaneiros. Nada disso contentou os invasores. Queriam mais...
Foi então que se arquitetou um plano diabólico e, na primeira oportunidade, pegaram o governo com a mão na botija. É agora!!! O clarim ordenou o ataque. Denúncia de obras sem estudos de impacto ambiental por um zeloso quadro do Tribunal de Contas é o start da campanha mais bem orquestrada que este ente federativo já presenciou.
Dessa denúncia, nova lei, esta mais restritiva e por muitos considerada a possível. Foi festejada.
Com esse flanco aberto, buscou-se nova estratégia. O FOGARÉU!
Explorar os incêndios há muito previstos para essa etapa da guerra seria o fechamento da campanha com chave de ouro. Não deu outra!
O Supremo Tribunal com sua tropa de elite despejou bala sobre o Congresso Nacional. Em dezoito meses terá que votar uma lei para o Pantanal. Isso, decorridos exatamente trinta e seis anos após a promulgação da Constituição Cidadã?
Pois sim. No páreo correm senadores e deputados. Cada um em suas montarias, digo projetos. Ao menos três propostas estarão à espera da aprovação e do aval da ministra militante e do executivo. A proposta abençoada será aprovada após gordas verbas serem distribuídas aos congressistas.
Sob o disfarce da preocupação com o meio ambiente o que se espera é a inviabilização das atividades seculares da planície para, enfim, triunfar a corrupção e os interesses inconfessáveis.
João da Mata junta os pauzinhos, enxerga toda a trama e fica imaginando como lidar
com essa gente. Em sua milenar sabedoria sabe muito bem que o buraco é mais em baixo e ele está no verdadeiro motivo das aquisições de áreas feitas desbragadamente pelos laranjas em toda a planície. Brejo ou cerrado, nada é dispensado desde que o preço esteja nos planos.
Com a crise econômica brasileira, o preço aviltante do produto pecuário, a total desesperança de que em pouco tempo o país volte a crescer, o setor que nunca perde, o bancário, deita e rola em cima dos sobreviventes. E é esse um dos que se apropria da planície.
Preocupação ambiental? Pois sim, quem viver verá.
*Pantaneiro
Leia Também
Mãe de Fogo
Um agro sem marketing
O trágico resultado dos antolhos pantanosos dos mundos e fundos ambientais...
O saldo do G20 para o Brasil e para o mundo
Do Quociente espiritual