terça, 10 de setembro de 2024
ARTIGO

MS 500 anos: de Piabiru à Bioceânica

30 JUL 2024 - 09h46Por ALBANA XAVIER NOGUEIRA

MS 500 anos! Essa constatação instaurou uma discussão que nunca mais será desativada da memória identitária coletiva dos sul-mato-grossenses. Daqui longos 500 anos, quaisquer que sejam os meios ou modos de comunicação, os mil anos de MS virão à tona, e, com toda certeza, o nome do pesquisador, poeta, músico, professor Moacir será reverenciado.

Não resta dúvida de que a divulgação dessa releitura da história de MS chegou no momento em que o Estado necessitava de acontecimentos inéditos que lhe propiciem maior visibilidade perante o país e o mundo, tendo em vista as negociações inerentes ao importante papel de MS, “como rota estratégica”, na construção de uma rodovia Bioceânica.

O autor apresenta, com segurança, as constatações históricas que nos certificam de que habitamos terras muito mais antigas do que supúnhamos até então. Demonstra-nos que há 500 anos atrás, em situações muito precárias, cruzando caminhos improváveis Aleixo Garcia e Alvar Nuñes Cabeça de Vaca, em épocas diferentes, sonharam sonhos semelhantes aos que são alimentados no reino de incertezas desta aturdida “pós-modernidade líquida”.  

Seus estudos e explanações trouxeram melhor compreensão sobre a importância das buscas de rotas, atalhos ou caminhos, como os de Piabiru, para compor a interligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Tanto é que, 500 anos depois, reivindicam-se rotas mais eficientes para interligar esses dois oceanos. E o fazem por meio da proposta de construção da chamada Rota Bioceânica.  

Após exaustivas pesquisas, Moacir redescobriu um mundo até então soterrado em esparsas obras de História, Mapas, Cartas. Pode parecer estranho para muitos que um músico e poeta se dedique a pesquisas históricas, entretanto, essa prática dialógica é antiga e muito praticada desde alguns séculos. Não é à toa que Octávio Paz tenha dito que “História é conhecimento que se situa entre a ciência propriamente dita e a poesia”. Essas práticas transdisciplinares são comuns também em relação à literatura, pintura, dança, teatro, e são sabiamente, aproveitadas por Moacir.  

Conforme opinião de Hegel, “o trabalho de um artista é parte de sua alma.”  Como Moacir é um artista versátil,  sua alma polifônica falou mais alto e o pesquisador, transmudado em poeta e músico, foi além da biografia do “Adelantado” Alvar Nunes Cabeza de Vaca. Recriou um álbum musical, contendo 22 faixas em que expressivos poemas de sua autoria narram a saga do “Andarilho das Américas”, ao som de genuínos acordes musicais, que geraram uma espetacular ópera musical.

Mas o arguto leitor, ao pesquisar a vida de Cabeça de Vaca, redescobriu outro personagem não menos intrigante, um náufrago ambicioso e destemido, chamado Aleixo Garcia. Adentrando-se na trajetória épica do náufrago português, percebeu, que foi o primeiro forasteiro a pisar, com sua expedição, no ano de1524, em solo pantaneiro, ou seja, nas entranhas do território, que, a partir de 1977, passou a constituir o atual Estado de Mato Grosso do Sul.

E foi assim que a verdadeira identidade deste Estado foi ressignificada. Feita a descoberta, Moacir não hesitou em cantar as heroicas façanhas desse extraordinário desbravador de terras do atual MS. Desta vez, em 29 composições musicais, organizadas em outro magnífico álbum musical, intitulado Aleixo Garcia, a Jornada Épica. Obra essa que todo sul-mato-grossense deve conhecer.   
Embora seja o mentor e líder dessas criações, Moacir não trabalha sozinho. Além dos integrantes do Grupo Acaba, do qual é um dos criadores, conta com o apoio de historiadores, antropólogos, poetas, intérpretes, escritores, bem como de outros artistas. Não citarei nomes, porque posso esquecer-me de algum e todos têm seu justo valor.
  
E é dentro dessa perspectiva que o músico apropria-se do discurso histórico e o transforma em discurso poético, prática comum exercida desde os primeiros anos de liderança do impecável Grupo Acaba, do qual é o fundador.  As composições musicais do Grupo, quase todas lideradas por ele, trazem sempre os tons e os sons genuínos das raízes da terra pantaneira, onde se entrecruzam ecos de sua difícil, mas divertida infância. São esses tempos e lugares mágicos, cristalizados em suas lembranças, que asseguram a cumplicidade entre o mundo vivido e o mundo poético, ressignificado, na permanente interação com aves, plantas, natureza, sequidão, enchente e o árduo trabalho do vaqueiro, boiadeiro, canoeiro...

“Na beira  de mil lagoas
Vou remando minha canoa
Eu não faço verso à toa
Sou molhado pela cheia
Sou queimado pelo sol.”

(Ciranda Pantaneira)

Nestes cinco versos o autor se auto identifica com o homem e poeta pantaneiro, sujeito imbatível na luta diária, independente das intempéries e que faz versos para reabastecer a alma calejada pela lida bruta, de sol-a-sol.

Então é isso, professor Moacir é um artista completo. Escreve, compõe versos, músicas, canta, interpreta. Sua carreira artística consolidou-se no Grupo Acaba, cognominado de Canta-dores do Pantanal. Indubitavelmente, um dos maiores, senão o maior grupo musical deste Estado, e um dos que melhor representa nossas raízes culturais mais autênticas.

Diante da relevância dos trabalhos do professor, especialmente deste último, sobre Aleixo Garcia, que engrandece sobejamente nossa história, mostrando que nossas raízes identitárias são bem mais   profundas que se imaginava, espera-se que os poderes públicos manifestem seus interesses, apoiando e divulgando projetos e atividades inerentes ao assunto.  

As Secretarias de Educação, Cultura e Turismo deverão movimentar-se no sentido de motivarem e promoverem, cada vez mais, os debates e discussões acerca dos 500 anos de MS. Cabe às Universidades locais organizarem encontros, conferências, intercâmbios, envolvendo Universidades de outros Estados, como Santa Catarina, São Paulo. Muito importante, também, a participação de Universidades do Paraguai, da Argentina. É imprescindível, como já recomendou o professor, que alunos do ensino fundamental, ensino médio, sejam motivados a participar, pois a escola é o lugar mais apropriado para a descoberta e aprimoramento de sentimentos identitários. Com a ressalva de que são os professores as peças essenciais para que isso aconteça.

Parabéns, prof. Moacir, a História de Mato Grosso do Sul tem muitos séculos para serem recontados e muitos mais ainda para serem construídos com a coragem dos novos desbravadores de palavras, liderados por você, que redescobriu os caminhos de Piabiru, para descortinar a rota Bioceânica, interconectando passado e futuro.

(*) Doutora em Letras, escritora e professora universitária

Leia Também

Relatos de viagem

Gabi viveu o deserto e o céu mais estrelado do mundo

Mais Relatos de Viagem

Megafone

A gente não pode ser o que as pessoas querem. Temos que ser o que queremos ser. O que somos

Ney Matogrosso, cantor

Vídeos

Lançamento do Plano Nacional do Turismo

Mais Vídeos