quinta, 18 de abril de 2024
DANIEL BYDLOWSKI

Macaco em primeiro plano, humano em segundo

07 AGO 2017 - 15h12Por DANIEL BYDLOWSKI

O novo filme da franquia de Planeta dos Macacos, dirigido por Matt Reeves, mostra uma tendência muito comum nos dias atuais: o foco e a atenção em seres não humanos em detrimento da espécie humana. O longa, chamado de Planeta dos Macacos: A Guerra, é o terceiro filme na sequência de produções que começou com Planeta dos Macacos: A Origem, dirigido por Rupert Wayatt em 2011. No entanto, é o nono filme da franquia com início nos anos 1968 e que conta até mesmo com seriados de televisão e animação. A diferença entre os filmes dos anos 60 com os atuais revela muito mais do que diferenças de estilo: ela expõe mudanças de como o ser humano enxerga a si mesmo no mundo.

O primeiro filme foi dirigido por Franklin J. Schaffner, inspirado no livro de mesmo nome do francês Pierre Boulle. Atuado por Charlton Heston, o longa contava a história de um grupo de astronautas que chegam a um planeta estranho onde macacos são inteligentes e humanos são quase como animais, sem poder falar ou raciocinar de maneira complexa.

Rapidamente nos identificamos com Taylor, o personagem de Heston que, por ser humano, é caçado e aprisionado para servir os primatas. Porém, Taylor rapidamente ganha notoriedade já que é o único humano que consegue falar. Ao mesmo tempo, ele se torna uma ameaça para os macacos governantes, que são portadores de um segredo que tentam esquecer. No final do filme, o segredo é revelado: a nave de Taylor nunca havia chegado a um distante planeta, mas voltou para a própria Terra em um futuro remoto, onde os humanos haviam destruído a si mesmos em guerras há muito tempo atrás. Sem ter o obstáculo humano, os primatas evoluem naturalmente, se tornando a espécie mais esperta e herdando o controle do planeta.

Embora fique claro que o futuro sombrio seja culpa dos seres humanos, o filme é contado pelo ponto de vista do homem, pelos olhos de Taylor. Assim, a espécie humana ainda pode se redimir. Representado por Heston, o ser humano presente é bom e nobre. Sua espécie pode ter se autoaniquilado, mas isto não significa que seus indivíduos não sejam heróicos e descentes. Além do mais, a crueldade da maioria dos macacos contrasta fortemente com a bondade do protagonista. A espécie humana, ainda que representada por apenas um homem,  é portadora de qualidades inigualáveis e altruístas frente ao ambiente ameaçador.

Os filmes atuais mudam estas características completamente. Tomando como ponto de partida o momento no qual os macacos adquirem inteligência, o filme de 2011 não dá ao primata uma evolução natural, mas um desenvolvimento rápido causado pelo ser humano por meio de um soro que acaba dando aos primatas a ferramenta para se liberar dos caprichos humanos. Se no primeiro filme a inteligência dos homens redime Taylor e, com ele, a espécie humana, aqui a inteligência, e não a guerra, causa a sua derrota.

O novo filme continua esta tendência. Agora, a história não é nem mais contada pelo ponto de vista humano, mas sim pelo ponto de vista de Caesar, o primeiro macaco a ganhar inteligência. Não há nenhuma pessoa capaz de redimir sua espécie. Nos identificamos com os primatas como heróis e com mais ninguém. O filme, que agradará ao público com cenas empolgantes e efeitos especiais de última geração, nos dá, porém, uma visão cínica da humanidade, que não apresenta qualidades que a possam salvar. É uma visão de mundo triste, mas que infelizmente se torna cada vez mais comum.

Cineasta brasileiro com Masters of Fine Arts pela University of Southern California e doutorando na University of California, em Santa Barbara, nos Estados Unidos. Seu filme NanoEden, primeiro longa em realidade virtual em 3D, estreia ainda este ano de 2017.

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