quinta, 13 de fevereiro de 2025
ARTIGO

Frei Marianno, Pacalalá e Gabriel Barbosa, três heróis e um ato só 

22 JUL 2024 - 09h07Por ARMANDO ARRUDA LACERDA

Em antiga invasão de conquista sofrida pelo Pantanal, o então Tenente Taunay, brioso oficial da arma de Artilharia, legou-nos soberbas narrativas da epopéia de combater neste inóspito terreno, que se tornaram verdadeiros clássicos da literatura nacional.

Usou também o pseudônimo Sylvio Dinarte para relatar as façanhas romanceadas de alguns heróicos personagens desses esquecidos combates contra o predador inimigo.

Entre eles sobressai o mineiro Gabriel Barbosa na debandada de Nioac, assustados com os massacres que o Coronel inimigo promovera a quem se opusesse a sua invasão, no meio da correria, parou, desceu do cavalo e em seguida instado a correr para o mato pois parar seria morte certa, afirmou: "Ao menos não mostrarei só as costas!"

Depois escorvou com cuidado sua arma e parou imóvel no meio da estrada, ao vê-lo firme, um dos perseguidores esporeou o cavalo querendo colher a glória de matar o primeiro brasileiro, pereceu, entretanto, sob sua mira, e sepultado no local, onde teve uma cruz como monumento, ao pé desse madeiro esteve por muito tempo atirado, como homenagem aos restos de quem ali descansava, "um craneo com dous grandes talhos de espada”. Era o craneo de Gabriel Barbosa."

Quando Sylvio Dinarte nos relatou a história do jovem guerreiro kinikinao Pacalalá, discípulo de Frei Mariano, que espontaneamente servira no lugar de outro índio contratado a preço vil por dois meses, ao final doara o injusto provento ao vigário, mas granjeara com isso o respeito de todos os moradores e aldeias vizinhas da Vila de Miranda.

Foi o único na fuga desabalada para a Serra de Maracaju, que tomou a feliz providência de se apossar e depois distribuir as armas e munições do paiol abandonado, suficientes para causar enormes prejuízos ao inimigo, durante todo o período da ocupação. 

Descreveu-nos com candentes palavras o retorno do frade capuchinho à Vila: “Elle voava para a sua matriz. Ahi também o esperavão destroços que tomavão o caracter de negro sacrilégio. As torres sem os sinos, os altares despidos dos santos ornatos, o tecto esburacado, o chão coberto de caliça e caibros, as imagens mutiladas, de prompto ferirão os olhos de frei Marianno. Então todos os projectos de conciliação desapparecerão-lhe da mente, e elle, transfigurado pelo desespero e pela indignação, no meio d'aquelle templo esboroado fulminou com a sua excommunhão a todos os paraguayos. A eloqüência selvática do capuchinho aterrou os que o cercavão. Forão os Mbaiás, gritou meio assombrado uni d'elles. Não, não forão! Meus filhos não farião isto, exclamou o6 frade cuja exaltação não achou limites senão quando de todo lhe faltarão forças para clamar vingança aos céos”. 

Na manhã seguinte teve ordem de prisão e pouco depois foi transferido para Assunção. Ja o guerreiro kinikinao Pacalalá, organizador maior da resistência, foi morto quando se aproximava o final da ocupação, ao infiltrar-se num canavial na beira do Rio Aquidauana e tentar produzir melado tão necessárias nos acampamentos escondidas na Serra de Maracaju, morreu talvez do último tiro disparado por patrulhas que o cercaram, e que terminaram por fugir.

Mais tarde, encontrado o corpo milagrosamente mumificado, por sua mãe Camiran, que o enterrou com suas próprias mãos e cujos restos também foram encontrados sobre o túmulo do filho, tal como o crânio de Gabriel  Barbosa sobre o túmulo do soldado da cavalaria paraguaia, até que  fossem piedosamente reinumados por seus compatriotas, enfim libertos  dos seus incansáveis predadores 

Contra a arrogância dos invasores atuais, acreditando-se onipotentes impositores de uma realidade virtual, narrativa que só se sustentará se houver concordância das instâncias jurídicas e governamentais com a injustificável perseguição aos pantaneiros que ousam combater a desfaunação e desflorização óbvia, apesar das bilionárias promessas que, até agora, só transformam o dinheiro derramado dos governos, e os pedaços de "áreas protegidas" que conseguiram apossar, em um pântano de cinzas.

Resta-nos seguir expondo sobre qual  Pantanal desejam os que se  importam com seu destino,  reiterando caso as narrativas da  cobiça, da  difamação,  da persecução econômica, fiscal e legal venham a  triunfar sobre o  amor  dos pantaneiros, sepultarão junto as garantias seculares da tradicional pecuária, onde animais  são criados diligentemente  para sustentarem  a vida do Pantanal, afinal  todas as  vidas do Pantanal são entrelaçadas e  importam, por serem componentes  imprescindíveis na  manutenção de sua futura sustentabilidade...

*Pantaneiro do Porto São Pedro, Corumbá MS

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