sexta, 19 de abril de 2024

Clima e biodiversidade, duas faces da mesma moeda

Uma é pop e a outra ainda não recebe a mesma atenção dos governos, das empresas e da sociedade

07 DEZ 2022 - 19h17Por MARIZA LOUVEN

Nas áreas rurais, já é comum ver telhados cobertos por placas de energia solar. A tecnologia está mais barata, possibilitando que um número maior de pessoas saia da escuridão e tenha mais qualidade de vida. Esta modernidade não é, entretanto, acompanhada de progressos igualmente fundamentais para a saúde, o aumento do bem-estar e o desenvolvimento de uma economia sustentável, como o saneamento básico universal.

Queimadas, desmatamento, captura ou matança de animais silvestres, pesca indiscriminada e despejo de lixo e esgoto nos rios continuam, em paralelo à falta de prioridade dos governos com o saneamento, a preservação e a educação ambiental. Os esforços também são tímidos na busca de soluções para gerar renda combinada com manutenção da biodiversidade.

Os cientistas alertam que uma sexta onda de extinção em massa, causada por fenômenos naturais extremos, está em curso na Terra, desta vez induzida por atividades humanas como mau uso do solo, urbanização, poluição e pesca comercial, mas parece que a ficha ainda não caiu. As crises climática e da biodiversidade são irmãs gêmeas, só que uma mobiliza mais o mundo atual do que a outra, ainda relativamente restrita a nichos de interesse.

São duas faces da mesma moeda: a mudança climática é uma das principais causas da perda de biodiversidade; e a biodiversidade é a maior defesa contra a mudança climática. Florestas, oceanos e outros ecossistemas são sumidouros naturais de gases como o dióxido de carbono (CO2) que, em excesso como agora, provocam o superaquecimento do planeta.

A opinião pública sente na pele a mudança do clima e está cada vez mais consciente dos perigos de aumento das catástrofes ambientais, cobrando atitude dos governos e das empresas. Talvez, por isso, o clima tenha uma atenção maior das lideranças globais do que a biodiversidade.

Esta pode ser uma explicação para o fato de a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP15), que acontece a partir desta semana em Montreal, no Canadá, ocorrer só de dez em dez anos e sem a presença de tantos chefes de estado como na conferência do clima – anual e prestigiada pelos mais importantes mandatários do planeta. O clima ficou pop, enquanto a crise da biodiversidade, nem tanto.

A COP15 tem a tarefa de formular e adotar o Quadro de Biodiversidade Global pós-2020, fundamental para a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável. A meta é estabilizar a perda de biodiversidade até 2030 e recuperar os ecossistemas até 2050. Seria algo como o Acordo de Paris, pactuado na COP do clima de 2015 pela maioria absoluta das nações que fazem parte da Organização das Nações Unidas (ONU).

Presidida pela China, a COP15, da biodiversidade, estava prevista para acontecer em 2020, na cidade chinesa de Kunming, mas as preocupações com a pandemia de Covid-19 e com a saúde levaram à mudança da cúpula para o Montreal. O que começa agora é a segunda parte da conferência iniciada em outubro de 2021, por meio virtual.

Nesses 12 anos, entre uma COP da biodiversidade e outra, muita diversidade se perdeu e o processo de degradação ficou mais acelerado. Passou da hora de as autoridades levarem a sério esta crise. É como a questão do saneamento, que tem um enorme impacto sobre a saúde e a qualidade de vida das pessoas, os negócios e o meio ambiente, mas nem sempre está entre as prioridades. A infraestrutura cara para o saneamento, geralmente enterrada e da qual as pessoas só lembram quando estão sem água na torneira ou falta luz, acaba relegada a um segundo plano. A universalização do saneamento básico no Brasil é uma agenda do século passado ou retrasado, que exige ações efetivas e imediatas. A biodiversidade também.

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), firmada no Rio, durante a Eco 92, está com 30 anos. Já não é sem tempo de a opinião pública se envolver mais com este problema e cobrar dos países que cumpram as obrigações acordadas na CDB e os protocolos a ela relacionados, por meio de soluções sinérgicas. Entre as principais controvérsias estão a mobilização de recursos financeiros, acesso e utilização das informações da sequência digital de recursos genéticos e repartição dos benefícios. O Brasil, dono da maior biodiversidade do planeta, tem muito a ganhar com mais saneamento e valorização de sua biodiversidade. Isto é moderno. O resto é atraso.
 

(*) Mariza Louven, editora do Integridade ESG

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