quinta, 28 de março de 2024

Bois, tropa e gente, migrantes orgânicos

29 JUL 2022 - 09h53Por ARMANDO ARRUDA LACERDA

A rede fez um barulho estranho e a lona acima balançou e derrubou gotas do sereno acumulado.

Com um resmungo o velho condutor localizou a lanterna, procurou a abertura do mosquiteiro e lomeou a botina.

Bateu uma na outra, sacudiu e imediatamente a calçou...

Sob a luz da fogueira, viu o cozinheiro terminar de coar o café e recolocar a panela com a sobra do dia anterior sobre a trempe.

O barulho das xicaras louçadas e o cheiro do café, eletrizou todas as redes da comitiva, e num instante havia movimento geral.

Com uma guampa de água, nos baldes pendurados no esteio da lona da cozinha, a água suficiente para escovar os dentes e lavar o rosto...

Eram os minutos que cada um tinha para fazer ou satisfazer as necessidades...

Tomado o café, dobrar e enrolar mosquiteiro e rede, a roupa mais limpa e as cordas no meio, remédios e outros materiais em sacos plásticos bem protegidos...


Mala fechada, o plástico ou lona da proteção superior enrolada e amarrada protegendo-a das intempéries e maltratos do transporte, eram entregues ao cozinheiro e podiam ter acesso ao quebra torto e mais café...

Já se podia ouvir o peão mais novo ou um novato na comitiva, ralhando com a tropa por sobre o frenético troar do polaqueiro.

Chegada da tropa, buçal nas mãos, hora da formatura dos animais, precisão militar, só depois de todos enfileirados, o Condutor joga o seu buçal na sua montadas e todos fazem o mesmo.

Um momento de indecisão quando o condutor examina cernelha e rins de determinado animal, e comprovado o machucado da pisadura, determina outro animal para ser montado.

"-Na bruaca tem um bachero de lá novo, pode pegar por hoje, mas na hora do almoço vamos surrar o suador do seu arreio.", determina com voz de comando.

Todos alimentados, o ponteiro combina o ponto de almoço com o cozinheiro, risca um primeiro ponteado em falsete, e vai para a porteira do pousador.

O ponteiro e os fiadores ficam fora, o condutor posiciona-se de través na porteira, para afinar e conferir a conta do gado, na saída. 

Acompanhando o berrante, conferida ao condutor "passar o bico" (contar), a boiada sai ansiosa para desfrutar do capim disponível nesse trecho.

O Condutor é mestre e maestro, ele ensina e sabe que o trabalho depende do serviço de todos, mas principalmente do cozinheiro responsável por manter o bom humor geral...

Da sua capacidade de transmitir conhecimento e chefiar, deriva a confiança que em poucos dias, não só os peões, mas o próprio gado e a tropa passam a ter no Condutor. 

Conduzir gado em longas distâncias é estabelecer rotina e hierarquia nos primeiros dias, esse aprendizado mútuo leva homens a confiarem nos animais e os animais a confiarem nos homens.

Cada gesto, cada grito, cada aboio segue a a liturgia do regulamento oral da comitiva pantaneira, que trará bons resultados a quem conduz e a quem é conduzido.

Como cantava Vovô Osório de Barros:

"- E assim,
De curral em curral, 
Chega a boiada 
ao seu destino afinal,
Dar a vida que tem,
Pela vida do Pantanal!

(*) Pantaneiro do Porto São Pedro, Corumbá MS
 

Leia Também

Relatos de viagem

A decoada, o armau e história de pescador no Pantanal do Nabileque

Mais Relatos de Viagem

Megafone

Sou bom pescador, se vocês não sabem, eu já peguei, em Porto Murtinho (MS), um jaú de 47 kg. Peguei junto com o Zeca do PT, usando anzol sem garra

Presidente Lula, durante evento no Ministério da Pesca e Aquicultura

Vídeos

Esportes radicais: calendário de 2024

Mais Vídeos