quinta, 25 de abril de 2024

Acorda pantaneiro!

18 SET 2022 - 18h08Por MANOEL MARTINS DE ALMEIDA

Tal e qual narram as escrituras, assim como no caso de Adão e Eva, o pantaneiro foi posto neste paraíso e nele viveu bem até os dias de hoje.

Bem, o meu umbigo com certeza foi enterrado neste areião, às vezes encharcado e às vezes ardente como o próprio sol que o aquece e os meus pais, avós, bisavós e tataravós aqui também deixaram os seus.

Quando aqui chegamos, e para isso não travamos uma batalha sequer, pois viemos em paz , roceiros que éramos, aí então muito tempo  depois do esgotamento do ouro de aluvião no Norte da província, a nossa pretensão nada mais era que deixar a vida muito pobre para trás e criar um mundo de fartura e progresso.

Nessa empreitada multi secular desenvolvemos um perfeito equilíbrio na utilização dos recursos naturais. Com muita persistência e sacrifícios construímos uma economia singular, na qual usamos da natureza o varejo e deixamos o comando, o atacado para ao seu próprio critério. Assim, de forma recíproca nos adaptamos, ela ditando as regras e nós, pantaneiros, aprendendo com ela, conquistando o possível.

A natureza dá e tira e assim ganhamos e perdemos no decorrer dos séculos. Enchentes catastróficas e secas madrastas tem feito parte de nossas vidas no Pantanal desde a nossa chegada. Então, seca e enchente conhecemos e a ambas sobrevivemos. Por óbvio, nunca fomos causadores desses fenômenos naturais. Por evidente as perdas sempre foram das pessoas e nunca do meio ambiente.

Em quase três séculos pelejamos solitários neste canto do Brasil e todas as conquistas e toda a beleza desta terra nos pertencem.

O mundo se rendeu às belezas deste território, nisso todos concordam. Porém, alguns nem sequer cogitam em reconhecer o papel do pantaneiro nesta obviedade: "os homens e mulheres deste lugar são os únicos responsáveis por esta preservação ambiental que hoje encanta a todos que o visitam."!

Por toda forma querem nos desacreditar para então, à guisa de salvadores do Pantanal, se apossar das nossas propriedades e interferir em nossos costumes, em nossa secularmente provada maneira de explorar as riquezas da região. Já adquiriram um milhão de hectares dentro da planície para impor, pelo poder econômico, pois que são gigantes do mundo financeiro, a criação de todo tipo de reservas que se possa imaginar, que, certamente, provocarão restrição de uso no seu entorno e, como de costume, grandes e catastróficos incêndios. Incêndios que certamente serão creditados a pecuaristas.

Como no caso do João de Barro, que constrói sua morada com grande sacrifício e denodo para que depois a andorinha venha chocar os seus ovos, sem ter o crédito na empreitada - e essa imagem o pantaneiro bem conhece - essas pessoas pagam a imprensa para fazer o público acreditar que a casa é deles.  Usurpam, este e o termo.

Necessário se faz que os proprietários pantaneiros se levantem enquanto é tempo. Na verdade, nem sei se é em tempo, pois que avançaram muito.

Nos resta que na ânsia de tudo conquistar, comam o fruto da árvore proibida e sejam exemplarmente expulsos do paraíso.
 

(*) Pecuarista paiaguense

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