segunda, 12 de maio de 2025
ARTIGO

A fé é socialista! 

22 ABR 2025 - 08h41Por EDSON MORAES

Antes que me interpretem mal ou apressadamente: este registro é uma reverência apolítica, simples e desprendida, a dois seres gigantescos neste departamento que chamamos de cosmos. Escrevo sobre duas almas imensuráveis nas dimensões generosas do que se trata como “convivência humana”.

Convivi com o Papa Francisco solamente pelas reportagens da TV, jornais e redes sociais. Porém, foram mais que suficientes a quantidade e a qualidade do que Francisco ofereceu para quem não se deixa isolar pelas distâncias que a mente, os sonhos e a Ciência podem desfazer. 

Ao ler e ouvir os comentários sobre o Papa Francisco, o que mais me impressionou foram o vigor e o arrebatamento das declarações de ateus, de gente sem religião e sem Deus, mas consciente da essencialidade de líderes que usem sua liderança para semear amor, paz, justiça, tolerância, sensatez e tudo que sirva para alimentar e dar viço aos arvoredos da fé, se não em um Deus, mas do Homem no próprio Homem.

A CONVERGÊNCIA - Já no caso de Roberval Roncatti, o Chaloto, pude desfrutar de uma pequena, mas calorosa e sortida amizade. Foram poucos contatos naquela Ponta Porã de 1971, quando o acaso ou os astros nos convergiram. Chaloto era delegado regional de ensino e fazia parte da Arena, o partido que dava sustentação ao regime militar. A Arena era dividida em quatro correntes e uma delas usou a sua influência junto ao governo estadual para exonerar Chaloto.

Foi um baque nos meios estudantis. Chaloto era muito querido. E eu, que estudava no Colégio São José, dos redentoristas, senti junto com meus colegas aquele golpe. Chamei alguns colegas de classe, entre os quais José Luiz Bambil, Cleber Xavier, Felipe Cabrera, Cílnio Arce, Nasser Abdalla, Dalila Saldanha, Dora Cafarenna, Maria Jupira e Luiz Rocha, entre outros (as), e resolvemos fazer algo. E este algo me veio à mente num átimo. 

A REPRESSÃO - Sem ter noção exata de que estávamos em um dos anos de chumbo, escrevi um texto, a mão, numa folha de papel de caderno, para tão-somente pedir às autoridades que devolvessem o cargo ao Chaloto, destacando a sua boa relação com os estudantes. À noite, fomos em um grupo com cerca de 50 estudantes à casa do Chaloto, e na calçada em frente eu comecei a ler o manifesto, que nada tinha de agressão às autoridades ou ao regime, mas apenas defendia a capacidade dele para exercer o cargo e criticava, com leveza, a insensibilidade de quem patrocinara sua destituição.

Não terminei de ler o texto. Parece que de repente, brotando do chão, surgiram soldados e viaturas do Exército. Estavam armados e prontos para defender o regime daquela meia dúzia de estudantes que não sabiam atirar nem com as palavras. Foi uma correria terrível. Alguém que me conhecia – não me lembro quem nem de onde, certamente dos jogos de futebol ou basquete – abrigou-me em sua casa. Lá fiquei até a tempestade se acalmar. 

No dia seguinte, fui procurado por um advogado de nome Ricardo Brandão. Ele era irmão de Lurdes Brandão, servidora da Receita Federal e colega de trabalho do meu pai. Ficamos amigos. Depois fui apresentado pelo Ricardo ao Sr Washington, que tinha uma escola de datilografia. Fui aprender lá a ser “catamilhógrafo”, pois nunca concluí oi curso. Mas pude conhecer outro ser especial, a professora Zaíra Portela. 

HORIZONTES - Em resumo, pelas mãos do Ricardo Brandão conheci a porta de entrada para os horizontes que seguem escancarado em minhas aventuras terrenas, os horizontes do socialismo democrático, da justiça, da paz, da igualdade, da autodeterminação dos povos e da coexistência pacífica entre todas as raças, religiões, gêneros, ideologias e escolhas. Uma convivência pacífica e respeitosa, mas que não afete as escolhas de cada pessoa para que todas sigam livremente o caminho que quiserem, desde que não levem ao obscurantismo e aos abismos da insensatez e da ignorância.

Depois daquela manifestação “subversiva”, foram comunicar ao meu pai que eu, aos 16 anos, seria fichado pelas forças de repressão como mais um suspeito de atividades de guerrilha. Felizmente, o Chaloto recorreu aos amigos da política que impediram este carimbo, que na época significava uma condenação ao que de pior a ditadura oferecia a quem a contestasse. 

Sou eternamente grato ao Chaloto, até porque se eu fosse fichado a claque repressora não estaria tão errada a meu respeito: nos dias seguintes ao ato de protesto eu já estava tendo com o Ricardo Brandão e Washington minha iniciação no marxismo. “Introdução ao Materialismo Dialético”, de Marta Harnecker, foi meu primeiro beabá de uma vida que nunca se divorciou da compreensão utópica de um mundo sem exploração do homem pelo homem.

Porque, acima de todas as compreensões e divergências, aprendi com o Chaloto e reaprendi com o Papa Francisco que ser feliz é um direito que se conquista para ser saboreado em conta-gotas de uma fonte que não se esgota jamais!

Grato Francisco! Você praticou e semeou a fé em Deus e nos homens!
Grato Chaloto! Você também semeou e incentivou a fé em Deus e nos homens!

Como todos podem constatar, nem de direita, nem de esquerda e muito menos de centro – a fé é socialista, serve para todos!

(*) Jornalista corumbaense, escritor

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