domingo, 19 de janeiro de 2025
ARTIGO

A crise ambiental mistura alarmismo, fanatismo religioso e falta de conhecimento histórico

22 SET 2024 - 20h56Por DANTE FILHO

Cerca de 60% do noticiário dos dias atuais trata da "crise ambiental". Questionar criticamente esse problema é um risco pessoal. A turma do cancelamento de imediato lhe pespega na testa o epiteto de "negacionista do clima". Em seguida, chamam-lhe de fascista, idiota, propagador das teses da extrema direita.

Somos, então, obrigados a aceitar a verdade sobre a "crise" que vem adquirindo uma aura apocalíptica, com muita gente maluca (com status de autoridade) falando em extinção de biomas, fim da raça humana, cenários de filmes distópicos, formando uma cultura que demarcará gerações inseguras, emocionalmente frágeis, sem perspectivas e imaginação.

Quando a chuva voltar a cair, tudo cai no esquecimento, até a próxima rodada da tragédia. Estamos vivendo este looping temporal perdidos na teia de acontecimentos inevitáveis. Não adianta: terminando o atual espetáculo das chamas, não se preocupem, ano que vem tem mais.

Olhem em volta. A própria universidade que deveria ser um locus do saber, estimulando dúvidas, instigando o contraditório, fomentando divergências, tem sido a força de resistência para impedir que o conhecimento não ultrapasse o campo ideológico, colocando tudo na ordem das chamadas políticas identitárias, onde o tema do meio ambiente ocupa espaço representativo como se fosse uma seita de fanáticos.

Claro que tenho observado mudanças climáticas - elas estão acontecendo mesmo desde o início do holoceno - e acredito na necessidade das ideias de sustentabilidade funcionarem num esforço concentrado mundial. Se quisermos que o mundo tenha um padrão de vida Dinamarquês devemos saber que somente um planeta não será suficiente. Temos que encontrar modelos onde as peças se encaixem a caiba todo mundo. Só que isso certamente demora séculos e séculos.

Tenho quase 70 anos e desde quando comecei a ter uma percepção ampliada do mundo posso afirmar que praticamente todos os anos o clima muda, sofre alternâncias pontuais, aumenta e baixa a temperatura. 

Nesse campo, nada é extático. Mudanças ocorrem há bilhões de anos.

Leio o que posso (até bula de remédio) para compreender qual a minha relação com a vida. As velhas perguntas: de onde vim, o que sou e para onde vou, permanecem. Não tenho respostas cabais para nenhuma delas. 

Quanto ao meio ambiente, pior ainda. O que me conforta é que a maioria dos cientistas de ponta, gente que estuda o assunto profundamente, também diz conhecer apenas a tênue superfície dos problemas, tendo dúvidas sobre quase tudo.

Certamente, a questão da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado deve merecer atenção, bem como inúmeros outros biomas do planeta. Há tempo para reverter o quadro? Ninguém sabe. Eu torço que tenha. 

Não se deve desconsiderar os interesses econômicos e geopolíticos por trás do pânico gerado diariamente pela mídia. 

Muitos jornalistas aqui parecem que vestiram o manto dos novos profetas do caos, parecendo uma turba de fanáticos da idade média. 

Toda vez que vejo o Jornal Nacional tenho vontade de me despedir dos amigos e familiares porque imagino que o mundo vai acabar no dia seguinte.

Hoje a pauta são as queimadas. Mas todos os anos elas acontecem. Às vezes mais intensa, às vezes menos. Argumentam que há uma piora gradual no quadro. Pode ser. 

Mas qualquer estudo sobre o clima deve-se considerar períodos estendidos. Lembro-me que na década de 80, elas foram tão predominantes que, por semanas, não conseguíamos enxergar o sol nem o vizinho do lado.

A imprensa tratava o fenômeno como "névoa seca, com total indiferença pelo assunto, mas na verdade o que acontecia era a queima dos cerrados de Mato Grosso, e parte do Amazonas, com a intensa imigração sulista que estavam devastando a terra (adquiridas a preço vil por incentivo do governo) para as chamadas abertura das novas fronteiras agrícolas.

A prosperidade do agronegócio brasileiro nasceu, em parte, daí. E foi daí também que o Brasil - para o bem e para o mal - fez a virada na inserção aos mercados mundiais de commodities; ou seja: mergulhou de cabeça no capitalismo globalizado e nunca mais saiu.

Hoje, por exemplo, a Monsanto pesquisa sementes geneticamente modificadas para cultivar lavouras de grãos que não necessitam de chuva para produzir. Talvez suas pesquisas já indicavam os problemas que enfrentamos hoje.

Grandes secas já dizimaram civilizações. Grandes queimadas idem. A estiagem ocorrida no nordeste brasileiro entre 1877 e 1879 dizimou mais de meio milhão de pessoas. Na dinastia Ming a seca ocorrida a partir de 1644 matou 10 milhões. Milhares de anos antes da Era Cristã várias civilizações sucumbiram à falta de chuvas.

Claro que naquele tempo não se pensava em "crise climática e sim em "ira divina".

Isso sem contar a peste negra que na Europa, em 1348, que ceifou a vida de mais de 150 milhões de almas, quase 60% da população mundial.

Olhando para as grandes catástrofes  a história da civilização humana é um grande cemitério.

Na última sexta feira a Folha de São Paulo publicou reportagem sobre estudo realizado nos Estados Unidos pela equipe de Emily Judd, do Museu Nacional de História Natural Smithsonian, que acaba de
sair na revista especializada Science, com o título "Variações de Climas da Terra do último meio bilhão de anos são reconstruídos por cientistas". Vale a pena ler. É melhor do que tomar rivotril. 

Segundo a equipe de Juddas temperaturas médias da Terra ao longo desse período variaram de um mínimo de 11 graus Celsius (há 120 mil anos, no fim da Era do Gelo) a um "estarrecedor máximo de 36 graus Celsius (no Turoniano, há cerca de 90 milhões de anos, quando a Era dos Dinossauros estava em sua fase final").

O estudo é complexo, os detalhes são chatos de ler (e entender), mas os autores concluíram que no período longo (485 milhões de anos), 41% da temperatura média do planeta girou em torno 45 ºC, bem acima da média atual que é de 15 ºC, uma tendência que vem sendo seguida nos últimos 34 milhões de anos.

Todo este trabalho foi testado com modernos instrumentos tecnológicos da atualidade, mas mesmo assim os cientistas apontam "incertezas metodológicas que podem afetar significativamente os números propostos".

Noutras palavras, em termos de conhecimento climático a raça humana está apenas tateando no escuro. Não sabemos exatamente o que vai acontecer no futuro. Sabe-se que o assunto merece atenção, principalmente o chamado vaivém das quantidades de CO2 na atmosfera, podendo levá-la a um aumento gradual das temperaturas terrestres.

Veja bem: isso já aconteceu antes e os dinossauros foram extintos. Um processo que levou quase 100 milhões de anos. Se o mesmo estiver acontecendo agora, bem, temos muito tempo pela frente para pensar no assunto.

Do meu lado, francamente, não tenho pressa. Sou pessimista com o modo como seres humanos celebram sua própria ignorância do mundo. 

Acho que o argumento de proteção às futuras gerações é a maior picaretagem de todos os tempos. Quem morre não tem capacidade de interferir no futuro, seja ele qual for. 

Quem está vivo sabe que, individualmente, independentemente do grau de sabedoria ou percepção da realidade, não pode fazer muita coisa.

Mesmo assim, sou otimista com os grandes movimentos da consciência humano na luta pela sobrevivência. O iluminismo está aí para demonstrar que sabemos aprender com as dificuldades e consertar o que está estragado.

A não ser que apareça um grande meteoro vindo em nossa direção...

(*) Jornalista e escritor sul-mato-grossense, atuando na imprensa do Estado há mais de 40 anos.

Leia Também

Relatos de viagem

Gabi viveu o deserto e o céu mais estrelado do mundo

Mais Relatos de Viagem

Megafone

O jacaré, me perdoem a expressão, é quase humano. Ou, na verdade, é mais que humano porque às vezes é mais dócil que os humanos

Ex-presidente FHC, desabafando diante de crise política, na fronteira Corumbá/Bolívia, em 1997

Vídeos

Podcast: estreia do 'Fora do Roteiro Cast'

Mais Vídeos