sexta, 19 de abril de 2024

Unidades de conservação NÃO precisam de ferrovias

17 JAN 2019 - 14h14Por ALEX BAGER

Há décadas que centenas de pesquisadores trabalham no Brasil e no mundo para avaliar os efeitos de rodovias e ferrovias no meio ambiente. Os dados são irrefutáveis e estão disponíveis, basta um pouco de interesse. Algumas palavras-chave são ecologia de estradas, atropelamento de animais, impactos de rodovias, wildlife roadkill, road ecology, roadless.

Estradas obviamente são importantes para o desenvolvimento econômico e social de qualquer país. Não há que se discutir isso. Entretanto, ferrovias e rodovias causam impactos ambientais que podem chegar a 5 km de distância do seu eixo e isso também é uma verdade irrefutável.

Os impactos são de toda ordem e tipo. Carro, caminhões e trens poluem o ar com gases, com som, atropelam animais selvagens, assustam outros e as estradas impedem que muitas espécies continuem se deslocando e reproduzindo.

Unidades de Conservação e Estradas

Unidades de Conservação são a única forma de garantirmos a preservação da nossa fauna e flora, mas também da própria espécie humana. As Unidades garantem ao homem vários benefícios tais como água, pesca, manutenção do clima, extrativismo, remédios, turismo e muito mais. Isso se denomina de serviços ambientais e existem dúzias de excelentes exemplos.

O mestrado da pesquisadora Bianca Morais do Centro Brasileiro de Estudo em Ecologia de Estradas (CBEE) da Universidade Federal de Lavras constatou que, dos 393 parques analisados no Brasil, 367 são afetados por rodovias e ferrovias. A pesquisadora ainda comenta que 163 destes parques podem ter toda sua área impactada por infraestrutura viária.

Avaliação nacional do impacto potencial de rodovias e ferrovias nas Unidades de Conservação

Neste momento estou desenvolvendo meu pós-doutorado, visitando o maior número de Unidades possíveis e avaliando os efeitos de rodovias e ferrovias nas suas áreas. Se você deseja saber mais sobre este trabalho, acesse a página da Expedição Urubu na Estrada.

Já escrevi um post falando sobre impactos de rodovias e ferrovias em Unidades. Você pode ler ele clicando aqui.

E o Ministro quer ferrovias em Unidades de Conservação

No último dia 8 de janeiro foi publicada uma entrevista exclusiva do Ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao jornal O Globo. As afirmações, originadas da boca daquele que deveria priorizar a preservação ambiental são aterradoras.

Algumas das pérolas são:

Avaliação nacional do impacto potencial de rodovias e ferrovias unidades de conservação

[Ministro] Rever a classificação de Unidades de Conservação.

[Alex] É preciso entender que diferentes categorias de Unidades (Reserva Biológica, Estação Ecológica, Parque, etc) implicam em níveis de restrições. Alguns permitem e outros não permitem visitação, alguns permitem exploração de recursos naturais e assim vai. Rever a classificação pode implicar no aumento da degradação nas Unidades.

[Ministro] Você pode ter ferrovia passando em unidade de conservação e a compensação econômica por essa ferrovia ser o recurso necessário para cuidar dos outros. Você pode ter uma linha de transmissão numa unidade de conservação e o royalty que ela vai pagar para passar ali ser justamente o recurso, e às vezes até o Know How, porque você pode embutir monitoramento por sistema de câmera, por satélite, por drone, etc.

[Alex] Aham, vamos lá. (1) o dinheiro arrecadado em Unidades vai para caixa única do governo, não existe essa história de gerar e ficar com o recurso; (2) visite uma Unidade e pergunte quantos analistas concursados existem trabalhando em cada Unidade. Se existirem cinco será muito, mas acredite que normalmente é muito menos; (3) o governo tem uma das suas bandeiras na flexibilização do licenciamento ambiental. Parece contraditório se falar em monitoramentos com satélites, drones, …. Se não haverá estudos prévios, dinheiro e pessoal. (4) na melhor das hipóteses vamos gerar o dano e depois monitorar.

[Ministro] É essa dicotomia entre desenvolvimento e meio ambiente que tem matado as unidades de conservação.

[Alex] Na verdade o que tem matado as Unidades é o fato delas estarem “embaixo do rabo do cachorro” em nível de prioridade, sofrendo pressões de todas as partes e sobretudo de ruralistas mal intencionados, governantes e políticos irresponsáveis.

[Ministro] “aqui não entra ninguém, nada”, não é realista. Primeiro ter nas unidades de conservação turismo de verdade, e não dizer que recebe e não ter nenhuma estrutura. Ter um corpo eficiente de monitores, guarda-parque, tem que receber bem o turista e cobrar por isso.

[Alex] Primeiro, a história de “aqui não entra ninguém” só ocorre em pouquíssimas Unidades. Em todas as demais existem áreas restritas, mas há também áreas destinadas ao turismo. Agora, no restante da frase o Ministro está certíssimo, vamos instrumentalizar o turismo em Unidades, só precisa dizer como ele financiará toda essa transformação.

Trocando em miúdos

A entrevista mostra a exata perspectiva que o meio ambiente brasileiro passará nos próximos anos. Temos um Ministério subalterno a outro, que teve a posse de seu Ministro renegada a meia dúzia de pessoas e nenhuma presença significativa. Ahh, fechada à imprensa.

Minha opinião de pesquisador com 20 anos de experiência em impactos de rodovias e ferrovias na biodiversidade, é de que a liberação de qualquer infraestrutura viária em Unidades de Conservação requer estudos ainda mais aprofundados que os realizados atualmente.  Há necessidade de fortalecimento do licenciamento, não sua flexibilização.

Vários meios de comunicação elogiaram a equipe formada para o Ministério do Meio Ambiente, quando esta foi divulgada. Veremos se essa incrível equipe terá coragem de “peitar” este tipo de decisão ou os renomados nomes se curvarão ao seu novo cargo e seguirão com os “rabos entre as pernas”.

Enfatizo que eu, e tenho certeza que qualquer outro(a) pesquisador(a) da área, sempre estivemos e continuamos à disposição para auxiliar na tomada de decisão. Um governo que diz que ampliará apoios para pesquisa científica deve fazer uso adequado de todo conhecimento produzido. De nada adianta gerar conhecimento e colocá-lo na estante, com o ego satisfeito.

(*) Idealizador da maior rede social de conservação da biodiversidade brasileira, o Sistema Urubu.

 

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